Nelson Garrido | ![]() | | | | | | | | Ano e meio depois de desabamento ter atirado um comboio ao rio A morte volta a ensombrar a Linha do Tua ![]() 26.08.2008 - 22h56 Pedro Garcias, António Garcias Nos despojos do acidente, há uma bolsa perdida com o livro “À primeira vista”, de Nicholas Sparks. Mas o título não antecipa nenhuma pista sobre o que realmente aconteceu às 10h40 de ontem, quando, a cerca de um quilómetro da Estação da Brunheda, o comboio que seguia na direcção Mirandela-Tua descarrilou, provocando um morto, cinco feridos graves e perto de 30 feridos ligeiros. À primeira vista, não se percebe o que possa ter provocado o descarrilamento. Segundo disse ao PÚBLICO o maquinista, Fernando Pires, a composição ia abaixo da velocidade recomendada para aquele local (35 quilómetros por hora), a visibilidade era boa e o acidente deu-se numa pequena recta antecedida de uma curva pouco acentuada. A plataforma parecia estável e apenas as travessas de madeiras que foram trilhadas pelo comboio logo a seguir ao descarrilamento estavam esmagadas. A viagem decorria calmamente e alguns dos 47 passageiros até iam junto ao maquinista a filmar e a tirar fotografias à paisagem. “Mas as pessoas não me iam a distrair”, garante Fernando Pires. Ao contrário do que chegou a ser ventilado, Fernando Pires não ouviu qualquer barulho estranho, muito menos uma explosão. “A máquina ao sair da curva foi logo a direito. Foi igualzinho ao acidente que tive no passado dia 6 de Junho”, explica. Nesse dia, a cerca de três quilómetros da Estação do Tua, a mesma composição, ao sair também de uma curva, descarrilou para o lado esquerdo e encostou ao talude, originando apenas pequenas escoriações em dois passageiros. A investigação a esse acidente ainda não produziu quaisquer resultados. Um ano antes, em 12 de Fevereiro, uma composição idêntica caiu ao rio na sequência de um desabamento de terras, provocando a morte a três pessoas. Fernando Pires já falou com outros maquinistas que operam com estas composições no mesmo troço ferroviário e não encontra explicação para acidentes como o de ontem. “Não sei o que se passa. A linha está boa, a máquina vai bem, vai a cumprir as velocidades e cai”, diz. Segundo o maquinista, a composição sinistrada tinha sido sujeita a uma revisão esta semana. Um passageiro que viajou quarta-feira na Linha do Tua garante que o mesmo comboio tinha sofrido nesse dia uma avaria. Confrontado com este dado, o presidente da CP, Cardoso dos Reis, não o desmentiu, mas não o valorizou. Problema técnico “Qualquer veículo pode ter uma avaria, mas isso não implica que depois de reparado não possa circular em segurança”, argumenta, garantindo que, de acordo com as observações feitas no local por funcionários da empresa, não há qualquer indício sobre a existência de qualquer problema técnico na composição. “É uma situação anómala”, diz. O vice-presidente da Câmara de Mirandela, António Branco, pensa o mesmo. “Estas máquinas são das mais seguras que existem e a linha nunca esteve tão boa como agora”, assegura. No acidente de ontem, a composição tombou igualmente para o lado esquerdo da linha. Foi ligeiramente amparada pela vegetação existente mas acabou por cair para um fosso com cerca de 10 metros de altura. Alguns passageiros conseguiram sair pelo próprio pé e foram os primeiros a prestar auxílio aos feridos mais graves. Cerca de 30 minutos depois, começaram a chegar os primeiros elementos do INEM e Autoridade Nacional de Protecção Civil, que pôs em marcha uma gigantesca operação de salvamento. A ajuda não foi mais célere apenas porque no local do acidente não existem comunicações móveis. Dois helicópteros e dezenas de viaturas médicas e dos bombeiros da região foram resgatando os feridos e encaminhando-os para vários hospitais. Dezoito feridos foram levados para o Centro de Saúde de Carrazeda de Ansiães, três dos quais foram posteriormente transferidos para o Hospital de Mirandela, para onde já tinham seguido outros quatro sinistrados. Para o Hospital de Bragança foram levados mais quatro feridos, incluindo uma mulher grávida e um bebé, os quais não inspiravam grandes cuidados. E 14 feridos foram levados para o Hospital de Vila Real, que já tinha decretado o estado de catástrofe. Ao final do dia, apenas continuavam hospitalizados três feridos: dois no Hospital de Mirandela, uma criança de nove anos que teve de ser operada a lesões nos membros inferiores e posteriores e uma senhora de 60 anos que apresentava ainda bastantes queixas (mas nenhuma delas corria perigo de vida); e um no Hospital de Vila Real, uma senhora de 42 anos que foi operada a um traumatismo torácico. Este era o caso mais grave. A única vítima mortal é uma senhora de 47 anos, natural de Vimioso mas que vivia em Porto de Mós. Fazia como a maioria dos passageiros uma viagem turística. Na composição sinistrada seguiam várias famílias, dois turistas estrangeiros e algumas crianças. “Tínhamos feito na véspera o troço entre o Tua e Mirandela e agora fazíamos a viagem de regresso. Não nos apercebemos de qualquer problema. A máquina tombou sem razão aparente”, descrevia ao PÚBLICO o patriarca de uma família de Leiria, um casal e quatro filhos, que seguia no comboio, ainda meio incrédulo com o que tinha acabado de viver. |