As previsões dos manda chuvas do serviço meteorológico tinham anunciado aguaceiros abundantes e persistentes acompanhados de vento forte. Se bem que estes serviços muitas vezes por dá cá aquela palha, em previsões de excesso de zelo, ditam alerta laranja, amarela etc. Mas desta vez as coisas lá do céu vieram a valer e os sucessores de Anthímio de Azevedo acertaram na mouche.
Ping… ping… do tecto dum quarto aqui de casa, fui ver o que se passava. Não era a simpática menina gotinha de água do poeta recém falecido Papiniano Carlos, eram umas intrometidas pingonas. Colocado um balde, de imediato subi ao sótão e verifiquei que haveria qualquer problema no telhado. O que é que vou fazer se lá fora a chuva continua a esgalhar forte e feio?!...
Como sou sócio dos Bombeiros de Valbom, era a vez de lhes pedir ajuda. Vieram dois fulanos num jeep que trazia em cima uma escada de vários lanços. Depois de alguma renitência para montar a escada, diziam que não seria apropriada para subir ao telhado, seria melhor uma Magirus ou pedir os serviços da protecção civil e entretanto entraram em comunicação com o quartel.
Como estava a ver que não me resolviam a situação, fiz-me de mau: - Olhem, eu sou sócio com quotas em dia, é a primeira vez que peço ajuda, se não montam a escada para ver o que se passa no telhado, digam no quartel que vou deixar de ser sócio. Então lá tiraram os lanços de escada do jeep e depois… só visto! O esforço e o tempo que demoraram para engatar três lanços de escada era digno de ser registado e publicado no Youtube. Estavam muito empenadas, só a poder de umas valentes marteladas (pediram-me um martelo) é que se conseguiram encaixar. Encostada à empena e à beirada, verificou-se que não havia telhas partidas, estava tudo direito. Perante isto foram os homens para o quartel e a seguir fui para o computador enviar uma msg para a corporação estranhando a funcionalidade da escada e predispondo-me para ajudar na futura compra de uma, criticar não só mas também e sobretudo propor soluções.
E as pingas no sótão? Telefonei a um trolha todo o terreno, já meu conhecido, que veio e verificou que o problema da entrada da chuva era nas caneluras das telhas, que tinham lixo, e havia um consequente retorno de água. Foram limpas e até ver tudo nos conformes.
É com este título em epígrafe, que no ano longínquo de 1898 o senhor professor Carlos Soares escrevia para o semanário “Educação Nacional” um artigo sobre as escolas de Fornelos e Travanca. Passo a transcrever na parte que diz respeito a Fornelos:
“Continuando a dar cumprimento à nossa missão, vamos hoje ocupar-nos das escolas de Fornelos e Travanca, descrevendo em primeiro logar a do sexo feminino d´aquella freguesia.
Esta escola, que data de 3 de março de 1882, tem estado em diversas casas, algumas das quaes detestáveis, e actualmente tem a sua sede no logar das Almas, ponto bastante central da freguesia, onde, num salão que mede 5m,5 de comprimento por egual largura, ou sejam 30mq,25 de superfície e 3m,20 de altura, a que corresponde uma cubagem de 96mc,800, é ministrada a educação e a instrucção a algumas creanças da freguesia.
Este salão que tem uma porta e quatro janelas, comparativamente com as restantes pocilgas do concelho é muito regular.
A mobília escolar é tão insignificante e imperfeita que se resume no seguinte: uma mesa de 3m de comprimento por 0m,80 de largo, uma cadeira tosca para o professor, cinco bancos carcomidos do caruncho, uma taboa oleada de preto, servindo de ardósia, e alguns quadros de leitura de Simões Lopes em mísero estado.
Eis toda a mobília destinada a comportar 92 alumnas recenseadas, das quaes só 51 se matricularam e, d´essas, apenas teem frequentado a escola regularmente 23!
É espantoso este caminhar!
Devido à repugnância de quasi todos os paes, poucas ou nenhumas meninas foram submetidas a exame; e agora, por causa da odiosa propina, muito menos serão ainda.
Deixando, porém, a escola do sexo feminino, vamos ceder o logar à do sexo masculino da mesma freguesia.
Esta escola, de cuja creação não nos foi possível obter a data, é bastante antiga, tendo até hoje sido regida por alguns professores que teem preparado bastantes alunos para o exame de instrucção primária elementar e de admissão aos lyceus.
Está instalada num salão que mede 6m de comprimento por 5m de largura, o que dá uma superfície de 30mq,9 e 2m,90 de altura ou seja uma cubagem de 87mc.
Vê-se, pois, pelas dimensões apontadas, que, para satisfazerem às exigências da lei, as escolas dos dois sexos, nem uma nem outra deviam comportar mais de 30 alumnos.
Supponhamos os dois salões reunidos e os dois sexos igualmente juntos e nesse caso teríamos de encurralar 200 creanças em 60mq!!!
É simplesmente revoltante!
Há, comtudo, em substituição do mesquinho espaço, bastante luz nesta escola, que, como a outra, possue uma porta e quatro janelas.
A sua mobília é em tudo equiparada á do sexo feminino e compõe-se de uma mesa que mede 3m de comprimento por 1m de largo, seis bancos em péssimo estado, um bom quadro preto e uma cadeira de castanho semelhante á da professora, mas peor ainda.
Dos 96 alumnos recenseados no corrente anno só se matricularam 40 e d´esses teem tido frequência regular 32.
Aqui se vê em simples esboço o estado material das escolas de Fornellos”
O Professor Carlos Soares foi nos anos trinta do século passado presidente da Câmara Municipal de Cinfães. Foi durante a sua presidência que a estrada chegou a Fornelos. Por esse motivo o povo desta freguesia homenageou-o com uma placa de mármore colocada num pedestal de blocos de granito aparelhado, em Macieira. Há vários anos a placa foi vandalizada e nunca mais reposta. Eu próprio alertei no passado o presidente da CMC que me informou que comunicou para resolução à anterior JF. Também cheguei a falar com um elemento da Junta, e não fiquei por aqui, enviei há dois anos um e-mail à sra. Dra. Fernanda Meneses, presidente dos STCP, neta do homenageado, ficou sensibilizada e que ia fazer as diligências necessárias para repor a situação, mas…
Esperemos que a actual Junta de Freguesia colmate esta deficiência que se arrasta há tempo demais, colocando uma nova placa. Se me for solicitado poderei dar uma ajuda acerca do teor do memorial.
Tínhamos programado mais um dia de limpeza na “quinta” (designação hiperbólica) do Redondelo. Terra lavradia que foi, com produção essencialmente de milho, vinho, azeite, centeio e pastagem. Algumas laranjeiras secaram, outras ainda resistiram às secas contínuas. Com casa de caseiro e anexos, eira, canastro, lagar e cortes para o gado. Após a saída do último caseiro, há vinte e cinco anos, tudo ficou entregue à natureza. Entretanto nasceu um carvalhal em toda a área que foi crescendo a esmo em concomitância com o silvado. Era imperioso dar p´ra trás nas silvas que estavam a assoberbar os carvalhos mais jovens.
Máquinas roçadoiras com lâminas apropriadas para o desbaste das silvas. A Joana, a Luisa e a Vanda já estão habituadas lá na terra a este tipo de trabalho. É gente de genica, pontual, eu que já tinha feito 60 Km, também dou o exemplo, às oito menos pico já estávamos no terreno para mais uma arrancada no serviço. Colocados os óculos de protecção, atestadas as duas máquinas, que eu tinha antecipadamente mandado afinar, há que fechar o ar para o arranque e puxar as alavancas. Com o frio da noite, puxa uma vez, duas, três e nada. Teimou-se e lá começaram os motores a trabalhar a medo, mas em pouco iam abaixo . A Vanda, que é a mais bem disposta das três, fala pelos cotovelos, com a sua sabedoria profissional amanteigada com alguma malandrice, a adivinhar pelo sorriso:
-Ó senhor fulano, que raio, isto é falta de aquecimento!
Eu não me fiquei e retorqui, de facto o aquecimento é necessário mas nem sempre. E adiantei, que por exemplo o aquecimento da Terra é um dos inconvenientes para as gerações futuras. Levando o caso para a brincadeira, dir-se-á que o humor até é útil também no trabalho como o antigo regime sabia explorar. Tinha um organismo FNAT (Fundação Nacional para Alegria no Trabalho), agora é INATEL.
Enquanto a Joana e a Vanda ficaram a dar coça às silvas, eu, o José e a Luisa fomos tentar ver o que se passava com o tubo da água que vem do Venal, distante um quilómetro, por gravidade para o tanque de pedra e que há muito deixou de vir. E aqui mais uma odisseia nos esperava para chegar até à nascente. Por um caminho público (mais tarde num post falarei dele), totalmente coberto de silvado, giestas e mato onde já há muitos anos não passa vivalma, agora há outras acessibilidades, sempre a abrir caminho com capinadoras. Depois de termos colmatado as deficiências junto à nascente, mais abaixo numa linha de água ficámos sem resposta imediata para poder fazer seguir o líquido. O interior da tubagem totalmente empedrado devido às fortes geadas que têm caído por estes dias. Regressamos então à “quinta” e ajudamos nos trabalhos juntando em montículos as silvas que iam sendo cortadas para depois serem queimadas nas clareiras dos carvalhos.
A vida no campo tem destas coisas. No passado trabalhava-se a terra e havia rendimento. Agora, após a entrada na comunidade e outros factores, o rendimento tem um deficit negativo. Politicas erradas que foram tomadas que levaram a este estado de coisas como ainda há dias dizia na televisão o credenciado dr. Adriano Moreira.
PS: - Dava-se o nome de “quinta” ou “terras” a determinada área de terreno, junta ou não com casa e anexos, normalmente trabalhada pelo caseiro, que “fazia as terras”. Os resultados da produção eram de 50% para o caseiro e outro tanto para o dono da terra. Num tempo mais recuado, que ainda é o meu, o contrato era de 50% para o chão e 75% para o ar, a favor do patrão. Chão, era referente a milho, feijão e eventualmente centeio; ar, era tudo o que dizia respeito a frutos e seus derivados nomeadamente vinho, azeite, etc.
- As personagens do post são reais, os nomes são fictícios.
A sinfonia estridente gri, gri da cigarra intervalada com o grasnar da rã no ribeiro dão àquele local um bucolismo campestre. O sardão estendido ao sol numa lapa pira-se por entre o ervaçal ao sentir os meus passos e mais além no pinheiral o crocitar forte dum passarolo, qual sentinela a avisar toda a fauna terrestre e aérea, aí vem um estranho! Estávamos em pleno Agosto quando a canícula mais aperta. Os campos de cultivo, agora já há poucos, exigem nesta altura mais água e até nós os humanos emborcamos mais líquidos.
Uma água entubada estava com problemas, não chegava ao destino, então fui ver o que se passava. Munido de roupa adequada e uma roçadora lá fui abrindo caminho por entre exuberante matagal junto a uma zona ribeirinha. Campos que foram de pão são agora áreas agrestes com todo o emaranhado de fetos, codeços, giestas, silvas, urtigas e tudo o mais que a mãe natureza faz desabruchar. Portugal foi no engodo da Comunidade europeia e agora está todo esfarrapado com chagas incuráveis.
Bem, mas voltemos atrás, ia eu numa acção de reconhecimento sobre a ausência do precioso líquido quando ouço um estardalhaço que identifiquei vindo de um silvado lateral à minha passagem. Parei, olhei e como nada mais escutei, segui caminho até à nascente. Solucionei os empecilhos da condução da água e regresso pelo mesmo caminho. Pelo sim, pelo não ao passar pelo tal local onde ouvi o ruído, deito o olhar e agora o que observo? Dois juvenis javardos com o corpo listrado (em pequenos têm a cor totalmente diferente da idade adulta) entre as silvas. A minha reacção foi a mais sensata, segui caminho e com o pé mais acelerado. Se os javardos adultos normalmente se afastam dos humanos a menos que sejam atacados, já com os filhotes poderá a javardina, caso estivesse por ali, ter uma atitude de defesa.
Já tinha visto adultos navalheiros, estes metem um certo respeito, têm o corpo cinzento escuro, agora juvenis foi a primeira vez.
Dizia-se que o hábito faz o monge. Há dias abordava eu em comentário com Maurício Branco os pergaminhos à portuga com que se alimentam alguns prof.s , Dr.s e Eng.ºs.
Anos setenta do século passado, ainda a Revolução dos cravos vivos (que agora estão murchos) não tinha vindo à luz do dia, andava eu a dar os primeiros passos na vida profissional tendo assentado bases na parte oriental da cidade do Porto. Não sei agora em que contexto, fui algumas vezes almoçar à Adega Figueiroa que fica na Rua Sacadura Cabral a Cedofeita. Era frequentada na altura por estudantes, pois a centralidade universitária era por aquelas bandas.
Mas o que quero referir era o “savoir faire” da pessoa, dono talvez, que estava aos comandos da casa. Era um fulano expert que agilmente se dirigia para o potencial cliente que seria habitual ou não, mas se tivesse ar universitário era tratado com a deferência de engenheiro ou dr. Então o desenrascado maitre passé pedia para a cozinha em voz audível por todos os comensais o prato, solicitado pelo cliente, normalmente do dia:
Saia-se meia de tripas para o Sr. Engenheiro da mesa do canto!...
Claro que os futuros engenheiros ainda viam o canudo no fim do túnel mas ficavam com o ego levantado ao serem tratados duma maneira tão cortês. Quando o cliente estudantil vinha com o código civil debaixo do braço então era presumido que era de direito e aí:
Saia-se meia de vitela para o sr. Doutor.
São questões de servilismo cultural quando se dizia que nos cafés da baixa coimbrã o graxa tratava todos os clientes por dr.