Pela ruralidade - Romaria do Senhor dos Enfermos
Romaria do Senhor dos Enfermos
É uma festa religiosa que já vem do século XVIII, (embora até ao séculoXIX tinha a designação, senhora dos prazeres) que se realiza no dia de Pentecostes, em Macieira, terra das minhas raízes, freguesia de Fornelos, Cinfães – a maior romaria deste concelho.
Vou falar desta romaria na primeira metade do século XX. Dizia o célebre escritor Aquilino Ribeiro, no seu livro “Aldeia: terra, gente e bichos” em 1946: “os meses das festas são simultaneamente os meses dos pobres”. E aqui reporto-me para esta festa, com factos que são ainda do meu tempo, a principal entrada para a romaria estava apinhada de gente a quem a sorte não bafejou, a pedir uma esmolinha – aleijados, cegos, idosos, enfim gente muito pobre. Aproveitando a onda havia também gente duma etnia, que fazendo-se aleijadinhos, também se misturavam com os verdadeiros pedintes.
Voltando a Aquilino Ribeiro no seu livro “Terras do Demo”, em 1917, descreve a romaria da Senhora da Lapa em Sernancelhe, uma das maiores festividades ainda hoje na Beira Alta:
“- Ó meus ricos senhores, dai uma esmolinha ao aleijadinho! Olhaide para a minha triste sorte! – Ó almas caridosas dai cinco reisinhos ao desinfeliz! -Pela luz dos vossos olhos dai uma esmolinha ao ceguinho!”
Voltando agora à festa da minha terra, era impressionante a religiosidade dos que vinham lá da serra, alguns com um animal pela soga, normalmente com uma vaca (e aqui vê-se que havia entre os rurais e o gado uma ligação muito intrínseca, se a vaca teve um bom parto ou se criou uma cria perfeita), fazer a romaria à volta da capela, mais tarde houve proibição e os devotos vinham fora dos dias da festa. Outros vinham com um garoto de pomada, leia-se garrafão, e a mulher normalmente com uma condessa onde trazia os comes. Emborcavam umas canecas de verdasco e já mais para o fim do arraial armavam confusão, romaria onde não houvesse pancadaria, era raro. Dizia o “Comercio do Porto” em 1896: os romeiros esvaziaram muitas pipas de vinho. E em 1934, mais de oito pipas de vinho foram esvaziadas. Isto vem no seguimento do que se dizia no antigo regime que beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses. Quando o calor apertava também havia um aguadeiro, com um cântaro forrado a cortiça. Dois dias antes da festa, matava-se uma vaca, ou boi, no logradouro, era pendurada numa forte ranca de um sobreiro, aí era retalhada, vinha gente comprar. Do meu tempo de rapazinho, a estrada tinha chegado em 1935, apareceram o carroussel com uns cavalinhos, mais tarde veio o poço da morte e as cestas.
Só mais um pormenor, no fim da festa, como era habitual o uso de cobertura na cabeça, levavam uma estampa do senhor dos Enfermos, metida na fita que rodeava o chapéu.
A minha veteraneidade e a busca sobre esta romaria apeteceu-me aqui e agora lembrar.
(O centenário sobreiro da imagem, secou. Era um ex-libris do santuário)
Ant. Gonç. (antonio)