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Magistério6971

Os autores deste jornal virtual apresentam a todos os visitantes os seus mais cordiais cumprimentos. Será bem-vindo quem vier por bem.

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Mestre-escola e professor primário

É sabido que no tempo dos nossos pais o analfabetismo era grande sobretudo nos meios rurais. Era então  considerada uma trilogia de gente do saber nomeadamente o padre, médico e o professor que eram respeitados pela população. Já por aqui abordei esta temática. Mas no passado nem sempre assim foi.

Vou hoje aqui transcrever parte de um interessante artigo, título em epígrafe, que veio publicado no semanário “Educação Nacional” nos finais do século XIX, onde o autor, Cesário Tavares, retrata como a sociedade da época, via o sector mais letrado com desprezo, nomeadamente o mestre-escola e professor primário.

 

“Litteratos e jornalistas ainda a miúdo empregam em seus escriptos a expressão mestre escola para designarem o modesto funccionário que gasta a vida na tarefa ingrata da primeira instrucção, e que dá um forte exemplo de sublime coragem no trabalho, de abnegação e de civismo. Nada havia que dizer a tal forma de referência, se ella não envolvesse certo menosprezo da parte dos que a empregam pelos obscuros trabalhadores da escola popular, os pacientes, os resignados pioneiros da melhor civilização, a que levanterá um mundo novo, erguido nas bases inabaláveis duma ordem social justa, a derivar-se da noção poderosa do dever que há-de existir em todas as almas. Até a entidade professor primário, mestre-escola, no citado dizer expressivo, serve ainda às vezes a romancistas, contistas, escriptores de teatro, jornalistas e gazetilheiros, ou de typo irrisório de caricatura grotesca, ou de inspiração de prosas trocistas, de versos hilariantes. Assim nisto se nivelam muitos trabalhadores do pensamento, ou às vezes  taes, com a baixa canalha que nas sociedades ainda vegeta, sem creação e sem lettras, sem outra lei que a da necessidade, sem outro respeito que o da força da autoridade constituída, rebelde à civilização, invejosa do justo bem que os dignos desfructam, e na qual o professor primário ainda suscita certa mofa, algo de revoltante grosseria. Restos da tradição do mestre-escola ignaro, sem saber  e sem caracter, a lembrar na aversão geral com que o tratavam, nas vaias, nos apupos com que era sempre saudado da gente grosseira, sem ideaes, aquelle desprezível escravo que os spartanos embriagavam para servir de asco aos que deviam ser os futuros cidadãos da republica valorosa.

Na verdade o mestre-escola era uma creatura limitada, sem boas noções profissionais, cheio de baixezas e servilismos, quasi mendigo, quasi palhaço, com vivos traços de charlatão, um todo de ser nauseante e profundamente lastimável. Entretanto quantos deles, talvez, não possuíram almas superiores, de excepção, com altas e legítimas ambições, e aos quaes a sorte afligiu com requintes de tortura nessa posição deprimente, a imaginação a mostrar-lhes distante, mallogrado, nas horas de mais funda melancolia, um destino sonhado de venturas e de bem merecidas glórias. Fado talvez! Doloroso a semelhar a lenta agonia pavorosa dum inocente para toda a vida sepultado no fundo dum carcere, e que, se compraz em ver à noite no céu, pela fresta da prisão, a luz de certa estrella, em que o triste symboliza a alegria que perdeu, as boas esperanças que o animavam, porventuras as seduções dum lar tranquillo, ridente e feliz.

É preciso, porém, dizer-se que o escarneo das multidões pelo mestre escola não provinha da triste individualidade que elle definia no meio social. Tinham um mais fundo determinismo as zombarias cruéis de que era alvo continuo o triste educador. Fosse elle, afinal, como fosse, o desgraçado era um inconsciente servidor da civilização, a idea tinha já nele um apóstolo, ainda que sem eloquência  nem enthusiasmo. Ora é um facto provado que as profissões de maior elevação numa sociedade de verdadeiros homens eram as reputadas mais ínfimas nos seculos de ignorância quasi geral, já do domínio da historia. Professores, médicos, até escriptores, estavam num plano muito baixo da escola social. Eram todos homens que tinham por missão augusta levar para deante o mundo, para o bem, para a beleza, para a justiça, para a verdade. Que haviam de arrancar a espécie à bestialidade nativa, sufocar o egoísmo pessoal, insufflar nas almas todas o alto principio do maior dever, o dever do progresso moral, da conquista duma fecundante liberdade, duma vida digna.”

 

 

 

        Ant. Gonç. (antonio)

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