"DEFESA DE AROUCA" - Os desempregados
Não sou, nem pouco mais ou menos, um rato das bibliotecas, gosto de esporadicamente ir até à Biblioteca Municipal do Porto e aí tenho dado uma vista de olhos a um antigo jornal, semanário “DEFESA DE AROUCA”. E porquê este e não outro? A explicação tem a ver com notícias que pontualmente aí eram publicadas sobre a minha terra, nomeadamente algumas sobre o meu avô, que não conheci.
Vou aqui transcrever uma crónica que achei interessante nesse periódico de um correspondente de Lisboa, é de Janeiro de 1936 com o título “Crónicas da Capital – os desempregados”.
“Sempre que, durante o dia, vou à Baixa, noto com pasmo que os cafés regorgitam de fregueses.
E digo comigo: Mas então estes cavalheiros não teem nada que fazer?
Ao meu espírito acode a impressão animadora de que grande parte dos meus patrícios alfacinhas vive regaladamente dos seus rendimentos.
Outros mais modestos contentam-se em espècar as paredes dos prédios, todos perfilados e atentos às damas vaporosas que passam.
Outros ainda – e não são só eles, são também elas – transformam a via pública em sala de visitas, de forma que, por mais que se alarguem os passeios, não há maneira de chegarem para as numerosas famílias que jubilosamente se encontam – as Lilis, as Fifis e as Lolós a beijocarem-se; as mamãs a contarem a história trágica da última criada que roubava nas compras, usava meias de seda e dizia mal dos patrões – uma pouca vergonha! – e os papás a discutirem a política internacional com gestos veementes e uma chuva constante de perdigotos confirmativos.
Esta última parte foi agora muito prejudicada com a medida de se pôr em execução o novo regulamento de trânsito…
Mas como é que esta gente tem tempo para tanta coisa? – pregunto eu aos meus botões.
Eles pertencem, certamente, à classe dos desempregados, tão numerosa agora em todo o mundo.
E elas, das duas uma, ou não teem nada que fazer em casa, ou deixam lá tudo por fazer.
Felizes estes cuja vida decorre tranquila e calma como um lago cuja água nem a folha duma planta encrespa e que conseguem afrontar a borrasca da existência não trabalhando e conseguindo até – o que é o cúmulo! – impedir que os outros sigam para o seu trabalho!...”
Nesta crónica podemos notar as semelhanças e as diferenças aos dias de hoje. Assim as Lilis, as Fifis e as Lolós são as Dondocas de agora. Onde se diz que os alfacinhas mais modestos contentavam-se a espècar as paredes dos prédios são os mesmos que nos dias de hoje andam a coçar as esquinas. E então os papás a discutirem a política internacional, pudera, não que falar da política nacional era proibido. Nota-se também nesta crónica uma subordinação da mulher quando se dizia que elas, das duas uma, ou não têm nada que fazer em casa ou deixam lá tudo por fazer. É o que hoje se ouve em sentido depreciativo em situações conflituosas: vai para casa lavar a loiça!...
Como o assunto desta crónica são os desempregados, no JN de ontem, alertava o Banco de Portugal que o rendimento disponível das famílias vai conhecer uma contracção sem precedentes em 2011 e nos próximos anos. E o desemprego vai continuar a subir, dizia o BP.
Fiquem bem, (antonio)