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Magistério6971

Os autores deste jornal virtual apresentam a todos os visitantes os seus mais cordiais cumprimentos. Será bem-vindo quem vier por bem.

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As ilhas da cidade do Porto

Ilhas do Porto

 

História

 

 

A ilha do Porto é um tipo de habitação operária muito diferente do de outras cidades industriais, como Lisboa, onde existem os pátios, ou as cidades industriais europeias.

Surgiram inicialmente na zona oriental da cidade, mas rapidamente se estenderam ao centro e aos concelhos limítrofes. Para o aparecimento das ilhas acredita-se que tenha contribuído a grande influência inglesa na cidade.

O esquema das ilhas é frequentemente associado às primeiras back-to-back houses (casas de costas com costas) em Leeds, quer em termos de morfologia, de promotores e em termos de intuito de construção.

A origem das ilhas é desconhecida sendo certo que no séc. XVIII já eram relatadas casas a que se chamava de ilhas. Em inquirições de D. Afonso IV (1291-1357) fazem-se referência também a conjuntos de habitações com apenas uma saída para a rua.

Foi, no entanto, no final do séc. XIX, com o desenvolvimento industrial da cidade e com a chegada de muitos migrantes das terras do norte do país, que este tipo de habitação se massificou.

 

Arquitectura

 

 

O lote almadino [1] tinha, normalmente, 5,5 metros de largura, de frente para a rua, por uns 100 metros de comprido. As casas burguesas eram construídas nos primeiros 30 metros, sendo que ficavam a sobrar uns 70 metros nas traseiras das casas. O proprietário abria uma ligação por baixo da casa por um corredor até ao fundo do quintal, de 1 a 2 metros de largura, e de um lado e de outro construía pequenas habitações precárias. Essas eram então pequenas habitações com áreas que não excediam os 16 m2 (algumas apenas com 9 m2), construídas em fila (algumas vezes também costas com costas), nos quintais das casas da classe média que davam para a rua. As frentes dessas habitações tinham, regra geral, cerca de 4 metros, tinham uma porta e uma janela (que davam para o corredor central).

 

Sociedade portuense em finais de século XIX

 

Na segunda metade do século XIX, o Porto vivia um clima de euforia industrial que atraiu à cidade populações rurais, vindas do Minho, de Trás-os-Montes e Alto Douro e da Beira Alta, fugidas da crise rural que ali se vivia.

 A procura de alojamentos baratos fez então destes aglomerados de construções abarracadas, com uma única entrada, um atractivo negócio, principalmente explorado por pequenos proprietários que, dispondo de pouco capital, viram nas ilhas a garantia de uma rápida recuperação do capital investido e, a curto prazo, lucros significativos.

Os interiores dessas casas, onde viviam famílias inteiras, facilmente de 10 ou mais pessoas, eram de madeira, não tinham esgotos, nem abastecimento de água, tinham ausência de ventilação e janelas pequenas que forneciam fraca iluminação. A juntar a estas condições a utilização comum de certos equipamentos, a convivência com animais (num inquérito assinalam 709 porcos em 1124 casas visitadas) e a falta de educação dessas pessoas e a pobreza moral de alguns, deixam imaginar o ambiente desses espaços.

 

Como o Código de Posturas Municipais de 1869 limitava a fiscalização camarária ao que era visível da rua (que neste caso eram as frentes de uma casa vulgar, normalmente a do promotor) e as ilhas acabavam por ser construídas no interior dos quarteirões, elas não estavam sujeitas ao controlo municipal, e à vista do cidadão. A uma primeira vista a cidade não mostrava aquela miséria.

Entre 1878 e 1890 teriam sido construídas 5.100 habitações nas ilhas (metade das que existiriam em 1900), onde segundo Ricardo Jorge habitaria, em 1899, um terço da população da cidade.

Segundo um inquérito realizado pela Câmara Municipal do Porto em 1939, havia então na cidade 1.152 ilhas, abrigando 45.291 habitantes, ou seja, nessa altura, 17% da sua população total. Seguindo uma tentativa de higienização da cidade, de forma a prevenir a ocorrência de surtos epidémicos, a partir da década de 1940, as autoridades municipais empenharam-se na demolição progressiva das ilhas do Porto, realojando as famílias em grandes bairros sociais, afastados do centro.

Setenta anos depois, as ilhas ainda não foram completamente erradicadas do Porto e do Grande Porto. Muitas mantêm-se firmes, "de pedra e cal", e tentam renovar-se numa perspectiva de contrariar o espírito frio e impessoal que cada vez mais define a vida nos bairros sociais.

 Dados recentes apontam para a persistência de 1.130 ilhas espalhadas pela cidade do Porto.

 

Ilhas de afectos preservam espírito comunitário

 

Bairros de Entre Quintas, do Cruzinho e de S. Vítor são exemplos do espírito comunitário herdado dos operários do passado.

Os dados conhecidos apontam para 1130 ilhas e 7654 casas repartidas pelas freguesias da cidade. A Rua de S. Vítor, no Bonfim, é a artéria com maior número de ilhas por metro quadrado. São locais de afectos: pelas pessoas e pelas memórias.

Um palmo de cimento separa as casas umas das outras. São quase todas minúsculas e habitadas, na sua maioria, por gente idosa. Que teima em ficar. Foi a única herança dos pais, é hoje a casa dos filhos e dos netos.

"Dantes, a gente repartia a nossa pobreza pelos vizinhos mais necessitados", recorda Conceição Fernandes, do Bairro de Entre Quintas, localizado junto da brasonada Casa Tait, ao Palácio de Cristal. Diante da roupa estendida a fazer lembrar um filme neo-realista De Sicca, a moradora nem quer ouvir falar em mudar de sítio: "Esta ilha é a nossa maior riqueza. Os vizinhos fazem parte da família", responde diante da varanda debruada de margaridas de várias cores.

"É o nosso jardim", diz.

No bairro do Cruzinho, ao Campo Alegre, feito de casas alinhadas ainda mora gente feliz. Já teve 47 habitações, hoje são 30, muitas delas a cair de podre. Causas? "O senhorio quer ver-se livre de nós. Não manda arranjar as casas e para ele tanto faz que entre água pelos telhados ou pelas paredes. Em dias de chuva ponho várias bacias na cozinha e no sótão. Vivo sem conforto", revolta-se Maria da Conceição Rodrigues, viúva, 78 anos. "Já tive de cortar a luz para evitar males maiores. A vistoria já cá veio, mas as promessas de casa decente foram sempre adiadas", diz, desconsolada.

A conversa estende-se a Maria Adelaide Mendes, 61 anos. "Nasci aqui e aqui espero viver ainda muitos anos. O bairro tem carácter, mas está muito degradado. Há muitas casas devolutas, em ruínas", confirma diante da janela decorada de flores, enquanto a irmã, Maria José Alves, recorda as brincadeiras de infância, a tranquilidade e o espírito do lugar onde toda a gente trata os vizinhos pelo seu nome. "É um bairro diferente e mantém ainda o perfume do passado", enaltece. A Rua de S. Vítor ganha à légua o palmarés de ter mais ilhas por metro quadrado. Maria Luzia, 52 anos, divide a casa habitada há 46 pelas três filhas: Tânia, de 24, Patrícia, de 20 e Lucília, de 13. A cozinha é minúscula e a casa de banho fica no exterior. "Não temos banheira. Tomamos banho numa bacia", garante a mãe sob o olhar resignado de uma das filhas. "Gostava de fazer obras, mas não tenho dinheiro para mais. Não estica...", confessa.

Ao fundo da ilha, a rede de arame colocada no muro de pedras gastas pelo tempo deixa antever o Douro, mais as pontes de Maria Pia e de S. João. Fausto Leite nasceu e cresceu no Beco do Paço, ao Carregal, e desloca-se a S. Vítor para acompanhar a mulher em cuidados pela mãe acamada. "Ainda existe convívio nas ilhas. Nos prédios a filosofia é outra", salienta Fausto.

No número 68 do outro lado da rua existe outro corrupio de casas e Julieta Lima, 73 anos, passa os dias a "fazer companhia" à irmã cega. "É a minha cruz", resigna-se. "Não tenho vergonha de viver aqui", atira a vizinha do lado, Teresa Pereira, enquanto dá mimos ao neto.

Fora de portas a agitação é outra. A catraiada ensaia passes de bola e a música pimba distrai as atenções de quem circula. Depois da Revolução Industrial, as fábricas foram demolidas e deram lugar a condomínios. Mas as ilhas continuam a povoar a cidade.

 

A cascata da Fontinha

 

Ao tempo da introdução do vapor nas máquinas industriais, o morro da Fontinha viu, de repente, ser alterada a sua pacatez. Lá ao cimo instalou-se a chamada “Fábrica Social”, com a inerente necessidade de muita e indiferenciada mão de obra. E porque estamos no tempo em que ainda não havia sido inventado o transporte colectivo, só uma solução barata e fácil ocorreria aos proprietários das fábricas para ter à mão essa gente, já que o chamado horário de trabalho era de sol a sol: comprar os terrenos baratos existentes à volta das fábricas e, num ápice, construir pequeníssimas casas, aproveitando todas as nesgas de terreno com uma única saída comum para a via pública. Estavam instituídas as “ilhas” do Porto! Maiores ou menores, o “esquema” era sempre o mesmo e a Fontinha viu-se inçada de pequenas ilhas, muitas delas geminadas, todas sem um mínimo de condições de habitabilidade, mas rapidamente alugadas pelas gentes que, normalmente das províncias do Norte, se deslocavam para a cidade grande na busca de ganhar o pão para si e para os seus agregados familiares.

 

 

 

Bibliografia

Jornal de Notícias – País – Porto - (2 de Junho de 2008)

AS ARTES ENTRE AS LETRAS, 16 de Junho de 2010, Júlio Couto

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ilha_(bairro)

PEREIRA, Gaspar Martins – "Casa e família, as 'ilhas' no Porto em finais do século XIX" in Revista População e Sociedade. Porto: Centro de Estudos da População e Família. N.º 2 (1996)

PIMENTA, Manuel; FERREIRA, José António; FERREIRA, Leonor – As 'ilhas' do Porto. Estudo socioeconómico. Porto: Câmara Municipal do Porto/ Pelouro de Habitação e Acção Social, 2001

TEIXEIRA, Manuel C. – Habitação popular na cidade oitocentista. As ilhas do Porto. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian e Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnologia, 1996

PINTO, Jorge Ricardo – "O Porto Oriental no final do século XIX: Um retrato urbano (1875-1900)", Edições Afrontamento (2007)



[1] D. João de Almada e Melo (Troviscoso, Monção, 15 de Agosto de 1703 - Porto, 30 de Outubro de 1786), senhor de Souto d' El-Rei, foi o grande obreiro da expansão urbana da cidade do Porto no século XVIII e o principal responsável pela organização do espaço a que hoje em dia designamos por Baixa do Porto, em Portugal.


Embora não esteja ainda completo, pois há «ilhas» na cidade do Porto que ainda não foram por mim registadas, este é o álbum que se pode, para já, visionar e que reune uma boa parte das mesmas.

 

As ilhas da cidade do Porto

 

 

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