Memórias (Festa da Senhora da Lage)
A romaria em honra da Senhora da Lage foi uma das vivências que o tempo não conseguiu apagar da minha memória.
O dia agendado, 3 de maio, aproximava-se. Antecipadamente as moçoilas rogavam, junto aos seus familiares, a devida autorização para participarem na caminhada rumo à Serra da Freita.
Movidas por um forte desejo de experimentarem um dia diferente do habitual, rogava-se à Santa que a petição fosse concedida e que o tempo não as atraiçoasse.
Tudo resolvido, iniciavam-se as devidas diligências para que nada falhasse.
Chegado o dia tão esperado o ponto de encontro acordado era preenchido por alegres romeiros, ostentando cestos recheados de saborosos farnéis, prontos para treparem os caminhos íngremes e irregulares. A caminhada era muito divertida, alegrada com as cantas que as raparigas “punham”acompanhadas ao som de harmónicas que os rapazes esmeradamente tocavam.
Uma pausa, de vez em quando, era imperativa, não só para descansar, como também para os mais sedentos provarem o precioso nectar dos garrafões que alombavam enfiados num pau que, mais tarde, quando bem bebidos, teria outra função- arma de ataque e defesa.
Pelo caminho surgiam outros romeiros que se juntavam, distribuindo alento e boa disposição e, apoiados uns nos outro, finalmente eram arribados ao planalto.
Aí o cenário era de uma beleza surpreendente, fazendo esquecer todas as agruras da caminhada.
Os enormes rochedos salpicados de pessoas adquiriam vida, movimento e cor. Por magia movimentavam-se freneticamente, apresentando tonalidades de cores variadas, consoante o deslocamento constante das inúmeras pessoas. Essa deslumbrante e gigantesca pintura ao vivo e a cores, podia ser admirada ao longo de todo o dia.
Por volta das 11 h, as cerimónicas tinham início.
Muitas pessoas já se encontravam em redor da capelinha para assistirem à missa e agradecerem as dádivas concedidas pela Santa.
No final das cerimónias dirigiam-se rapidamente para os locais já previamente escolhidos para partilharem os saborosos farnéis em alegre convívio. Naquele cenário, uma côdea rapada condimentada com perfume das urzes e carquejas tornava-se uma saborosa e inigualável iguaria. Os salpicões, presunto, bolos de bacalhau... desfilavam e cada um ia elegendo os mais apaladados para as suas papilas gustativas.
Esses manjares eram partilhados também por aqueles que pediam um naco de pão por mor da Santa. Aqui registo o pedido da ti Rosa, figura típica da serra, com o seu chapeuzinho redondo, trajando saia preta de burel com uma faixa larga à cintura que servia de alforge para arrecadar os alimentos angariados, aproveitava também para pedir uma pinguita e encher de vinho a barriga do seu sebento odre de pele de cabra.
Após as cerimónias da tarde, terço e sermão,o ribombar dos foguetes era o aviso prévio do início da procissão das cruzes, passando junto das dezenas de cruzeiros de pedra, assim conhecida por nela incorporar uma cruz de cada freguesia do concelho de Arouca.
Recolhida a procissão surgiam por todo o lado os bailaricos ao som das violas e concertinas. Inúmeros pares rodopiavam alegremente, exibindo os seus dotes artísticos. Eram momentos divertidos onde participavam não só os dançarinos de lugares distantes, como também os da Castanheira, Mizarela, Ribeira e Albergaria, elas bem diferenciadas por, tipicamente, trajarem saias plissadas e blusas garridas.
Quando o astro-rei dava indícios de cansaço era hora de regressar. Já mais leves e como lá diz o ditado” para baixo todos os santos ajudam” a caminhada era menos penosa. Apesar de tão afadigado dia o grupo regressava feliz, cantando e contando todas as emoções de um dia tão fora do habitual.
Chegadas a casa esperavam-nos as tarefas domésticas. Cansaço não podia ser motivo para não serem cumpridas, pois não tardava a retórica “Quem corre por gosto não cansa.”
Tudo isto faz parte do meu passado. Para mim foi um privilégio ter participado, um dia, nesta festa religiosa que, pelo são convívio, simplicidade, alegria e religiosidade era considerada das mais populares de Arouca.
Benilde