Será que é mesmo verdade? Será que os jornais arranjam estes casos para segurarem a tiragem? Eu não quero acreditar para que a minha fé não dê mais um passo atrás. Ou melhor acredito mas não entendo:
No JN: Três freiras e um padre escravizavam noviças
E em subtítulo: PJ apreendeu vários objectos usados para flagelar irmãs da Fraternidade Missionária Cristo jovem em Requião, Famalicão.
Trindade Coelho, escritor transmontano, disse: amar as nossas tradições é amar os usos e costumes da nossa terra, é amar o carácter da nossa terra, isto é, o seu modo de pensar, de sentir e de proceder”.
Embalado por este autor vou aqui referir aspectos da festividade supra citada. É hoje sabido que a religiosidade no passado era mais vincada em todos os aspectos da vida também no meio rural. A cruz de Cristo era talhada na pedra tanto em casas, praças, palácios e até nos canastros. As eras lavradas nas padieiras ostentavam cruzes e à frente do ano: @ , que queria dizer, ano do senhor.
Posto isto vamos então falar da romaria do senhor dos Enfermos dos anos da minha meninice, que se realiza em Macieira, Fornelos, Cinfães. O pagamento de promessas era sobretudo no dia da festa. E aqui queria referir que neste dia lá vinha da região serrana um ou outro animal com o dono a conduzi-lo à soga fazer a romaria à volta do orago. Certamente assim foi prometido, ou por a vaca ter agarrado, leia-se, emprenhado, por ter tido um parto bom ou por ter recuperado bem de alguma mazela que a tivesse apoquentado. Este pagamento de promessas no dia da festa não era muito condizente com o pagamento de promessas de outros crentes, muitos de joelhos, até por uma questão higiénica, onde poderia haver aqui ou ali uma bosteira. Então pelos anos sessenta/setenta do século passado o padre da altura proibiu este ritual dos animais no dia da festa, sugerindo que devia ser feito ao longo do ano. Actualmente já não acontecem esses actos de fé com animais. Acresce aqui dizer que naquela altura o entrosamento entre os rurais e o gado vacum era de grande cumplicidade. Desde a ajuda nos trabalhos agrícolas, aos bezerros que eram comercializados e até algum leite para a criançada, era uma mais valia considerável.
O pagamento de promessas normalmente implicava deixar uma oferta monetária ao Senhor dos Enfermos. Tive conhecimento que na altura da guerra colonial as desobrigações eram mais substanciais, em virtude dos filhos ou maridos terem chegado sãos e salvos.
Na actualidade a festa ao Senhor dos Enfermos mantém no essencial o espírito religioso, se bem que diminuído pelo laicismo. No passado, o sermão quase sempre vozeado por um cónego de Resende, tarimbado nestas práticas, a meio da santa missa, era de grandes demagogias catastróficas que os altifalantes espalhavam por todo o arraial e arredores. Eram trovoadas que acagaçavam toda aquela gentinha humilde, fragilizada. Era o tempo do regime forte de Salazar a que se aliava também a Igreja que fazia por ter o rebanho dentro do redil, fora daí só havia o lobo mau a puxar os distraídos para o purgatório e inferno, dizia o pregador.
O dia 13 de Novembro de 2015 foi uma sexta-feira negra para Paris e para a Europa. Como cidadão europeu, eu tenho o direito de questionar o seguinte:
- Da União Europeia, eu conheço e recebo frequentemente informações de diretivas da Comissão Europeia, do Parlamento Europeu e do Tribunal Europeu.
- Está em Bruxelas ou em Estrasburgo a Agência Europeia para a Segurança ? Ou não existe? Ou faz parte da gigantesca Comissão Europeia? Ou é uma comissão que faz parte do Parlamento Europeu?
Não tenho procuração para defender os Estados Unidos da América mas dou comigo a pensar quantas agências de segurança e/ou de informação tem a federação americana.
Na região entre Douro e Paiva e mais além, quando se fala no Senhor dos Enfermos está subjacente a maior romaria do concelho de Cinfães que tem como auge o dia de Pentecostes. É sobre esta festividado do tempo do Salazarismo que vou a seguir focar aspectos daquela época, tendo presente aquela máxima de Salazar aos portugueses a quando da segunda guerra mundial “livro-vos da guerra mas não da fome”. Salazar deixou os cofres cheios mas o povo ficou mais pobre cultural e materialmente.
Dizem as estatísticas que há quase dois milhões de pobres no nosso país. Não sei quais são os pressupostos para se chegar a este tão elevado número numa população de cerca de dez milhões de habitantes. É bem provável que o conceito de pobre de hoje não terá nada a ver com a pobreza dos meus tempos de menino e moço.
Tenho de memória os verdadeiros pobres que andavam de terra em terra, esfarrapados, com uma sacola a pedir. Como na altura o dinheiro era escasso a maior parte das vezes recebiam uma quarta, ou menos, de milho, centeio, ou uma mão cheia de feijão, que depois trocavam num vendeiro por um naco de broa.
Na festa anual em Macieira, Fornelos, Cinfães – Senhor dos Enfermos – era ver uma imensidão de pedintes que se postavam no principal acesso à romaria, denominado na terra de Corredoura, actual Avenida profª Maria Mendonça (ver imagem). Esfarrapados, cegos, manetas, gente desiquilibrada, alguns com crianças descalças e ranhosas, sintomas de grandes carências. Um dos descamisados era o “meio quilo”, tinha sido um volframista nas minas de Arouca. Traído pela sorte, espatifou todo o vil metal em estroinices, chegou à estaca zero, andando nos finais da vida pelas romarias de mão estendida. Foi um caso que muito me impressionou pois tive conhecimento pessoal, ao saber todo o historial deste volframista de sucesso, mais tarde mendigo. Se a maior parte dos romeiros passavam indiferentes a estes desafortunados, havia também quem na sua fé de promessas ao senhor dos enfermos, esmolavam de fio a pavio todos estes infelizes da sorte.
O nome desta romaria, Senhor dos Enfermos, era apelativa, mas não só, para aí acorrer tão elevado número de desfavorecidos. Esta chaga miserável só se foi esmorecendo nos anos sessenta do século passado. Reformas, apoios sociais e nos tempos mais recentes RSI vieram de certo modo ajudar a colmatar essa pobreza na estaca zero.
Um dos nossos maiores escritores retrata esta pobreza na festividade da Senhora da Lapa no concelho de Sernancelhe, vejamos como o autor descreve em 1917:
“...Dali até o povo, em cada linha da rampa, os pobres eram mais que o cisco. Assentes sobre taleigos, os surdo-mudos pareciam marcos de baliza à espera que os distribuíssem pelos campos; já os entrevadinhos tinham avantado para o meio da estrada, sobre os cotos das maõs ou as pernas engatinhadas, algumas secas como cabos de faca, e deitavam a lamúria:
- Ó meus ricos senhores, dai a esmola ao aleijadinho! Olhaide para a minha triste sorte!
Outros, no meio de mondongos, punham ao léu as chagas cancerosas, mais roxas que as de santo Cristo, e charqueiros de putreia onde bichos reboludos, de cinta branca, e a mosca vareja vasculhavam. E berravam que o céu tremia:
- Ó almas caridosas, dai cinco reisinhos ao desinfeliz!
Os ceguinhos de nascença, de olhos vidrados, gemiam uma cantilena lenta e interminável como a noite que os envolvia:
- Pela luz dos vossos olhos dai uma esmolinha ao ceguinho!
E os entrevados e enfezados, de cabeça de alambique e corpo menineiro, em caixas de petroline ou canastras de sardinha, ao lado de matulões barbaçudos, estendiam a mão, a guinchar:
- Oh! Tende dó, deixai uma esmola ao desgraçadinho!
Jesus! Um homem não tinha pernas nem traseiro, e, fixe sobre uma tábua, parecia enterrado de estaca. Mais além, um monstro, com a boca rasgada até às orelhas e sem nariz e sem dentes, era mais temível que a morte negra. E a fenda rubra gemia:
- Ó santinhos de Nosso Senhor, tende piedade! Dai cinco reisinhos! “…
(Aquilino Ribeiro in Terras do Demo).
Nota: Já tinha abordado no facebook este tema, agora condimentei-o com mais umas buchas.
Pensei, não pensei nada, que coisas como hoje foram noticiadas na TVI não aconteciam nos dias de hoje. Um padre duma freguesia de Mangualde não tivesse feito um funeral pelo facto do finado não ter pago a côngrua. Era um indivíduo fragilizado, sem uma perna perdida na guerra colonial.
No passado também na minha santa terrinha o senhor abade só fazia um casamento se os noivos ou os seus progenitores liquidassem as quotizações em atraso. Não importava se os faltosos fossem de fracos recursos.
O caro Branco, sempre atento à cultura, alertou-me por msg para um sarau na quinta de Bonjoia, com o tema, as carquejeiras.
Se bem que era um assunto que me é familiar mas lá fui até porque um dos intervenientes era Helder Pacheco, um sabedor das coisas do Porto, nascido na freguesia da Vitória como gosta de referir, amante desta cidade até mais não.
Rio Douro, barcos rabelos, carqueja, carquejeiras, calçada da Corticeira agora das Carquejeiras e com a cereja em cima do bolo, a colocação de um monumento às carquejeiras no cimo da calçada,
que está na forja, tudo isto foi falado. Quarenta mil euros para concretizar este sonho, não é uma verba por aí além, não cheguei a perceber se as dificuldades da implantação desse monumento é do cú ou das calças. Mas que há vontades lá isso há.
Com o salão lotado, toda a saga das carquejeiras, carregadas que nem bestas a subir a íngreme calçada até às Fontainhas, foi desenvolvida pelos vários intervenientes da mesa, esse modo de vida duro e pobre que se estendeu até aos anos sessenta do século passado. Helder Pacheco com a sua crítica construtiva sobre aspectos da cidade no passado, sobre o presente foi mais suave, até porque, digo eu, na assistência estava um adjunto dum vereador da CMP, que por acaso estava a meu lado e que também apoiava a oratória do historiador. (Só me apercebi deste elemento da câmara quando o psiquiatra Mota Cardoso, um dos da mesa, se lhe referiu ao encerrar os trabalhos, cumprimentando-o e sensibilizando-o para ser portador para a edilidade do âmago daquele sarau – homenagem às carquejeiras e levar p´ra frente o tal monumento).
O rancho folclórico do Porto, sempre embrulhado nas actividades culturais da cidade, também marcou presença com uma canção musicada às carquejeiras.