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Magistério6971

Os autores deste jornal virtual apresentam a todos os visitantes os seus mais cordiais cumprimentos. Será bem-vindo quem vier por bem.

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Geografia sentimental

No post anterior abordamos a má vizinhança dos lobos vista através dos tempos. Vamos hoje de raspanço referir os ditos, mas sobretudo aqui avivar a interioridade das Beiras segundo Aquilino Ribeiro na sua obra “Geografia Sentimental” de 1951.

“Até a Cabeça de Alva, não há mais que perspectivas de planalto, afora a trovoada de penedos que coroam o espigão da serra do lado norte, a cavaleiro dos poucos montesinhos de Ariz, Pêra Velha e Carapito. Esses penedos são enormes como castelos e bastos como ovos em canastra. Como se condensou para ali tanto magna e tomou aqueles feitios caprichosos do esferóide?

Ao chegar ao Senhor dos Aflitos, o horizonte, com um vastíssimo e suave espaldar de montanhas ao longe, para lá das planuras baixas do Távora, abre-se um leque portentoso, rico de matizes e estrelado do nácar e madrepérola das aldeias e dos casais. Ao que é de imenso, o golfão celeste infunde-nos a ansiedade de que se acompanha tudo o que releva noções de infinito. E as suas tintas indecisas, roxo, cinza, azul, anilinas muito finas e fluidas de que a luz aparenta ser apenas o dissolvente, não só nos deslumbram como inebriam. A capela que ali está, sempre branca e escarolada, no encontro dos caminhos, diz às outras, as cem e uma ermidas que luzem esparsas pelos montes: A paz seja convosco. Cá se vai vivendo na lei e graça do Senhor.

Nada mais impressionante do que o salto orogénico da terra, segundo a noção óptica, do monte em que estamos para a corda de montes distantes, que se vêem colear em anfiteatro. Na curva, localidades, que escolheram os abrigos e recessos dos vales, adivinham-se mas não se avistam; tiram-se outras pelo campanário ou alguma torre altaneira; mais raras as que brilham e se espenujam como pombas ao sol.

À espalda, a poucos minutos, deixa-se Vila Chã, acaçapada, como a palavra o diz, numa das balsas do planalto. Acama ali neve para muitos dias no pico do Inverno, e ouvem-se os lobos uivar dos morros fronteiriços, chamados pelo fartum dos rebanhos.

Uma noite de luar, que subia a serra com o meu impávido vizinho Joaquim Natário, cada um de nós na égua patuda da casa, tivemos desde os pinhais da Boa Vista a sua escolta graciosa. Eram quatro bichos corpulentos, que nos seguiram de lado, a distância de tiro, eclipsando-se nas matas e fundões, reaparecendo nos tesos calvos, aguentando, sempre em linha connosco, um chouto elástico e seguro. Um deles ostentava uma bela e afrontada testa, que infundia respeito.

Mais longe, e à roda de mil metros de altitude, abaixo da trabuzana de penedos, enrodilha-se a povoação de Carapito. Entre Nave e Lapa não se encontra gentio mais bárbaro e turbulento. Brigam por dá cá aquela palha. Pelo génio, os hábitos, e o teor da crónica local apraz-me ver ali um reduto de turdetanos, vingativos, feros, desenganados e possuídos duma actividade inata e arbitrária. Às duas por três, um dos filhotes da terra senta-se no banco dos réus. Que crime praticou? Matou um homem. Deu um tiro noutro. Apunhalou. Nunca comédia ou drama de baixo coturno…”

 

 Ant.Gonç.(antonio)