Quando saímos da zona de conforto e nos embrenhamos para o interior constatamos um país a duas velocidades. A desertificação tem-se vindo a acentuar e é mais notória nas regiões raianas, no entanto o aspecto turístico tem vindo a ser incrementado.
Já conhecíamos as aldeias históricas da Beira Baixa, desta vez fomos ver as da Beira Alta um pouco embalado pela descrição que Aquilino Ribeiro esmiuça dessas terras descritas nos seus livros com o rigor campestre que tão bem sabia. Aldeias bem preservadas nos seus traços originais onde Portugal está sempre presente, carregadas de história. Os seus nomes atestam a sua nobreza – Castelo Mendo, Castelo Bom, Castelo Melhor, Almendra, Marialva, Almeida, Pinhel, Cidadelhe e Castelo Rodrigo onde mais nos demoramos. No cimo do morro, o castelo amuralhado é um espelho da história de Portugal. Na sua envolvência o casario com as ruelas estreitas convidam-nos a ir por aqui e por ali sempre na descoberta. Enquadrada na urbanidade chegamos à Casa da Amendoeira, turismo de habitação, que antecipadamente tínhamos reservado para nos receberem. Foi então aí que confortavelmente podemos descansar após as boas vindas da Srª. D. Madalena e do Sr. Alberto, donos da casa.
Na manhã seguinte tivemos com pena nossa de deixar este espaço muito confortável, após um pequeno almoço repleto de coisas boas. Ficamos clientes e aconselhamos vivamente esta casa, para quem for para aqueles lados, conhecer ao vivo a história do nosso país.
Para quem não se lembra ou nunca teve conhecimento, no dia 25 de Março, a tradição impunha o desenterrar das merendas.
Não fugi à regra, por conseguinte, eis aqui a minha antiquíssima e tão grácil condessa, que já teve em tempos os seus momentos áureos, com o seu bandulho atulhado, desfilando as seguintes iguarias: salpicão, presunto, rojões e um pastelão preparado com batatas, ovos, cebola picada, salsa e pedaços de chouriço, tudo bem frito com banha de porco. Para regar este tão apetitoso manjar segue uns garrafões de precioso nectar de Baco, para que os participantes ebrirridentes contagiem a todos com a sua alegria.
Há boas e más rotinas. Não sair da cepa torta, do ram ram da vida poderá ser mais do mesmo, já outras rotinas se me afiguram bem positivas. É das últimas que me apetece tecer aqui duas tretas.
Meio da tarde, há que esticar as canetas, pelo passeio pedonal que vai da Ribeira de Abade até Gramido, terras de Gondomar. É sempre uma caminhada salutar para o físico e para a mente. Com o rio por companhia é um ver se te avias, pequenada, novos, assim assim, e velhos, a romper solas.
Há caras que já são habitué, uma delas entre outras é um ferrinho. Pessoa que pelo aspecto vê-se que não é de posses, (na imagem em descanso a meio da caminhada), boné às três pancadas e como auxílio para a andança uma bengala que foi recuperada da espinha dorsal dum guarda-chuva (a avaliar pela haste de madeira nota-se que não foi da chinesada), sacola a pedir reforma a tiracolo mais sobre o dorsal, vim a saber que transporta a merenda para si e para os seus amigos. E quem são os amigos? Dois cachorros, um já velhote, cego dum olho que lá se vai arrastando, o outro, um senhor cão, alentado, preto na cor e de nome, “labrador”é a sua raça, bem nutrido, cachaceira de envergadura, olhar doce, com boa pose mas mansinho como um querubim, que até as crianças o abraçam, diz o dono e eu confirmei. Só lhe falta falar, diz o seu tratador, sempre atento ao pequeno gesto que este lhe faça. A rotina deste trio desperta-me a atenção quando também muitas vezes ando por aquelas bandas. O ar fluvial e a oxigenação campestre ao longo do passeio pedonal bem como a proliferação das várias espécies avícolas no rio e nas margens, (palmípedes, gaivotas, corvos marinhos e outras aves mais leves, dão um ar biológico ao espelho de água), é um benefício a não desperdiçar, não só para os humanos mas também para a canzoada.