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Magistério6971

Os autores deste jornal virtual apresentam a todos os visitantes os seus mais cordiais cumprimentos. Será bem-vindo quem vier por bem.

Magistério6971

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Demis Roussos

 

 

Fica-se mais pobre quando perdemos alguém das nossas relações. O cantor Demis Roussos era daqueles da minha juventude que me deixava tranquilo com as suas melodiosas canções. Enquanto a Grécia ganha um jovem político Alexis Tsipras, perde um cantor de excelência.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  (antonio)

"O malhadinhas"

Malhadinhas, almocreve que palmilhava terras da Beira desde a Costa Nova à raia, com epicentro em Barrelas (actual Vila Nova de Paiva), era um duro como era o seu macho ”de jarretes rijos como aço”, homem de escacha-pessegueiro quando alguém lhe fazia frente. Em Santa Eulália, “um varredor de feiras temível, arganaz dum homem – peito em aduela, cachaceira de boi, cara de poucos amigos – a ensarilhar a racha com tanta gana e fantasia que nem doido varrido a perseguir mosquitos à paulada.” Provocou Malhadinhas, levou que contar. O mesmo aconteceu “ao caceteiro Zé Piranga de Cinfães que vivia da vermelhinha e do que zarpava aos pacóvios”, não teve melhor sorte nem os marmanjos da sua corja.

 

“Que a minha língua era ponteira como a faca que trazia à cinta – murmuravam as bocas do mundo mal consideradas. A faquinha, assim Deus me salve, tinha uma função e não mais, cortar a côdea, o queijo, a febra do presunto, quando andava de jornada.

… Quanto à língua, cortaram-me a trave ao nascer; mas nunca levantei falsos testemunhos, nem acoimei de curta mulher honrada, nem de cornel sujeito que não tivesse testa para marrar.

…Eu lhes conto um passo assucedido, pelo qual, se o Pai do céu se não esqueceu de o apontar no livro da glória e a remissão é certa, do pecado mais taludo estou quite, ainda que me não morda nenhum de monta. Pois oiçam, meus fidalgos:

Um entrudo, quinta-feira mesmo das comadres, à boca da noite, o Bisagra desafiou-me na venda do Zé Pinto para jogar uma partida de chincalhão. Vossorias sabem: o Bisagra era senhor duma destas galhaduras, mais formosas, compridas e retorcidas como não há memória que andasse armada a testa dum serrano. Mais abundante nem paliteiro com palitos, e assim falada nem a porca de Murça. Tão coitadinho, que seria caridade dizer-lhe ao passar um portal: baixa que marras!

A mulher era fêmea de alto lá com ela, sempre mais frescal que alface, requestada de fidalgo e de padre cura.

Pegámos das cartas e o ladrão com a felícia toda, o sortalhão que dizem próprio daqueles a quem sobra o que falta às cabras mochas! Na cova da mão, sempre o cinco de oiros, a espadilha, o cinco de paus, levantou-me em catréfia seguida quatro quartilhos e um bolo. Paguei, mas bufei, que à mandinga da sua condição e não a jeito nem à sorte honesta atribuí eu, e comigo todos quantos ali estavam, aquele desaforo a ganhar.”

 

 

Quando Bisagra se apercebeu das bocas de Malhadinhas, enfurecido:

“ – Sou homem conho!... Sou homem!...

Desapareceu e estávamos nós deitando contas à pachouchada, quando se ouviu grande banzé: o Bisagra fora encontrar a mulher com o Padre Antunes de Lousadela e zupava nos dois como em amassadoira de linho. Foi preciso arrancar das mãos o coroado, senão, matava-o. Mesmo assim, ficou com uma sobrancelha deitada abaixo e mais pingou e lastimável que um dos palhaços que, por folgança de carnaval, se tinham esfaldegado no largo naquela quinta-feira das comadres.”

 

     In “O malhadinhas” de Aquilino Ribeiro

 

 

Ant.Gonç.(antonio)

"Quem tem amigos não morre na cadeia"

É este provérbio popular muito assertivo.

Na cadeia de Évora está um político de proa que tem tido diariamente visitas dos seus amigos, a maior parte deles também figuras estreladas da política.

Até aqui nada a destacar, eu se também tivesse um amigo naquela situação iria dar-lhe um abraço.

Deixemos a justiça funcionar em todos os seus valores, disse António Costa, um dos visitantes. E não pode haver julgamentos na praça pública, todos concordamos. Mas não podemos passar ao faz de conta quando esse político na qualidade de ministro do ambiente desbloqueou três dias antes da queda do governo de que fazia parte, o célebre Freeport. Mas pelo país fora quando está prestes a mudança de cadeiras, os edis despacham licenciamentos que estavam até aí em banho maria nas secretarias. Mas cala-te boca é tudo feito na legalidade!...

 

   (antonio)

Pela ruralidade - CLIX(Romarias no passado)

É sabido que a criação da segurança social foi uma instituição pedra fundamental da democracia. Podemos hoje gemer por este ou aquele motivo das coisas por vezes terem falhas. Eu costumo dizer que as pessoas se habituaram a ter tudo de mão beijada. Mas se recuarmos atrás dos anos sessenta, setenta do século passado, constatamos das nossas vivências a miséria social, sobretudo dos mais velhos, pobres e deficientes que se arrastavam sem reforma ou pensão social. Para trás mija a burra, dir-se-á, mas é bom lembrar isto.

Ao ler Aquilino Ribeiro, não me canso de referir este mestre da língua portuguesa, que retracta as gentes da Beira, chamou-me particular atenção o que escreve sobre uma romaria muito conhecida ainda hoje – Senhora da Lapa – no concelho de Sernancelhe. Pois era precisamente o que também acontecia na romaria da terra das minhas raízes – Senhor dos Enfermos, de que aqui já falei, em Macieira, Fornelos, Cinfães e eventualmente em todas as romarias. Vejamos então o que nos descreve o autor:

 

“… Tropicavam azeméis com velhos de capote e chapéu braguês para a nuca, e éguas de albarda com matronas de lenço de seda, peito coberto de oiro e tamanquinha de Viseu no bico do pé. Para aguentar o passo, outras mulheres tinham tirado as chinelas e com elas na mão, a par do sombreiro, ou à cabeça sobre o xaile, desunhavam-se todas tep, tep. E lá seguia tudo a catrapós, no frenesi de meter com sol à festa que o mês de Agosto c´os seus santos ao pescoço não tinha melhor que a Senhora da Lapa, a rica Senhora da Lapinha.

Dali até o povo, em cada linha da rampa, os pobres eram mais que o cisco. Assentes sobre taleigos, os surdos-mudos pareciam marcos de baliza à espera que os distribuíssem pelos campos; já os entrevadinhos tinham avantado para o meio da estrada, sobre os cotos das mãos ou as pernas engatinhadas, algumas secas como cabos de faca, e deitavam a lamúria:

- Ó meus ricos senhores, dai a esmola ao aleijadinho! Olhaide para a minha triste sorte!

Outros, no meio de mondongos, punham ao léu as chagas cancerosas, mais roxas que as do santo Cristo, e charqueiros de putreia onde bichos reboludos, de cinta branca, e a mosca vareja vasculhavam. E berravam que o céu tremia:

- Ó almas caridosas, dai cinco reisinhos ao desinfeliz!

Os ceguinhos de nascença, de olhos vidrados, gemiam uma cantilena lenta e interminável como a noite que os envolvia:

- Pela luz dos vossos olhos dai uma esmola ao ceguinho!

E os entravados e enfezados, de cabeça de alambique e corpo menineiro, em caixas de petroline ou canastras de sardinha, ao lado de matulões barbaçudos, estendiam a mão, a guinchar:

- Oh! Tende dó, deixai uma esmola ao desgraçadinho!

Atrás deles, aqui e além, a dois tanganhos, a panela do badulaque fervia; e, no vapor, passava a olha do pespé rançoso, colhido em porta responsada a Sant`António.

- Por alminha de quem lá tendes, ó meus ricos senhores!

Aquele tinha o carão roído dum cancro e dava vómitos olhá-lo; uma mulher vergava a cabeça debaixo dum lobinho, nascido no pescoço, e tão grande era que parecia trazer às costas uma badana pelada. E a sua voz arremedava o ladrar dos cães:

- Ponde aqui os olhos, ó gente que passais! Por alma de vossos avós, dai a esmolinha!

Jesus! Um homem não tinha pernas nem traseiro, e, fixe sobre uma tábua, parecia enterrado de estaca. Mais além, um monstro, com a boca rasgada até às orelhas e sem nariz e sem dentes, era mais remível que a morte negra. E a fenda rubra gemia:

- Ó santinhos de Nosso Senhor, tende piedade! Dai cinco reisinhos!

- Seja pelo amor de Deus! – murmurou Glorinhas. – Há cada espelho pelo mundo!...

- Levam vida regalada – disse a Zabanda. – Não precisam de trabalhar.

- Deus do céu! Eu antes queria andar de rastos como a cobra!

Estrada fora, o corrilho de lázaros não despegava! E, entre as pernas das bestas e nas saias das mulheres, eram feros e agarradiços como carraças:

- Cinco reisinhos, oh! Dêem cinco reisinhos a quem o não pode ganhar! ...”

 

Em complemento do que atrás está explícito, quero também eu dar o meu testemunho das necessidades que grassavam nos anos da pobreza. Então a quando da missa de sétimo dia de algum graúdo ou remediado era oferecida uma esmola pelos familiares do falecido, no fim do ofício, aos pobres que acorriam piedosa e àvidamente para a receber.

 

  Ant. Gonç. (antonio)

 

 

Iluminação na Avenida dos Aliados

candeeiro de 3.jpg

 

À atenção do Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto

 

Boa noite, Sr. Presidente. É sábado, são 19 horas e estou na Avenida dos Aliados. Reparo nos candeeiros de 3 lâmpadas, muito bonitos, iguais ao da imagem. É triste o que se pode observar: poucos são os candeeiros que têm as 3 lâmpadas a funcionar. Hoje são 17 de Janeiro de 2015 e vejo a esta hora, muitos turistas a tirar fotografias. Não vão ficar muito bem estas fotografias, com poucos, muito poucos candeeiros com as 3 lâmpadas acesas, alguns apenas com 2 lâmpadas acesas, outros só com uma lâmpada acesa e, o mais gritante, alguns sem nenhuma lâmpada acesa. E alguém vai ficar muito mal na fotografia... Eu gosto muito da minha cidade, Sr. Presidente. Sou tripeiro, de gema, ou melhor, de Cedofeita. Não quer o Sr. Presidente encarregar alguém de se preocupar com a iluminação destes candeeiros?

Saudações tripeiras do Francisco.

"Um repórter inconveniente"

Aurélio Cunha é o autor do livro supra citado, que vai ser apresentado em 14 de Fevereiro na biblioteca Almeida Garrett. Tive já oportunidade de o adquirir, surpreendendo-me pela positiva.

Conhecia-o virtualmente das suas reportagens escaldantes, jornalismo de investigação no JN, nos anos setenta, oitenta e noventa do século passado. Quando fui para o ginásio, sem o ter visto mais gordo como se diz, em conversa de circunstância, perguntei-lhe o nome e… para meu espanto era mesmo Aurélio Cunha, o tal que assinava as reportagens que tinham ficado no meu subconsciente.

“Um repórter inconveniente” é pois uma descrição memorial que Aurélio publicou e também de casos que não saíram da redacção por razões adivinháveis.

Não sendo eu de memória por aí além, recordo-me de uma das suas reportagens bombásticas sobre as regalias mais que muitas que uma cidadã presa usufruía em Custoias. Maria da Graça de seu nome, uma vamp do social com traços de ser boa comó milho segundo cabeças de olhares fuzilantes, tinha-se abarbatado de boa riqueza de um embaixador. Até um conhecido advogado da cidade, que já não está cá, fundador de um partido do arco da governação, creio que chegou a ser líder parlamentar, fervoroso adepto do Salgueiros, andava derretidinho pela boazona (e aqui fica à divagação dos eventuais leitores o que não deixo expressamente dito mas que terá a ver certamente com lambiscos do pecado). Falei em reportagem bombástica, assim foi, até o director da cadeia foi transferido, pois passavam-lhe nas barbas privilégios magnânimos à referida presidiária de colarinho branco como agora se diz.

Então um dos casos que não puderam ser publicados, refere Aurélio no seu livro, despertou-me a atenção por ser fulanizado por um padre manholas. Fabricou um filho a uma fulana e fez de conta assumindo tardiamente a paternidade encobrindo o seu múnus sacerdotal, intitulando-se a quando do registo da criança, empregado de escritório. Deixou a mãe com o menino na mão como se diz, acabando por ser  entregue a uma instituição. Casos deste quilate, como também e sobretudo, pedofilia, são graves nos leigos, mas nos clérigos!...

Gostei do que li, parabéns ao Aurélio pela frontalidade com que abordava os assuntos e que me veio recordar um tempo em que o JN fazia estilhaços.

 

    Ant.Gonç. (antonio)

 

Desabafo

Eu não quero ser nem parecer lamechas. O que vou dizer, ou melhor, o que vou escrever é verdade e, portanto, como estou entre amigos, sinto-me à vontade para me expressar, na minha modesta prosa. Antes de mais, sublinho "na minha modesta prosa", porque nem aos calcanhares chego dos meus colegas Benilde e António. Esses sim, têm prosa erudita e eu aprendo sempre que os leio. Mas a minha é muito modesta mesmo, devido ao facto de ter passados os últimos anos a conferir guias de remessa, facturas, notas de crédito e um infindável número de documentos relacionados com uma actividade comercial de venda a retalho de artigos de papelaria, tabacaria, livraria e bazar. Foram as minhas leituras. Não as preferidas mas as obrigatórias. Mas isso acabou. Consegui, finalmente, conquistar a liberdade. Ano novo, vida nova. Nesta altura em que estou a redigir estas palavras, estamos no mês de Janeiro de 2015 e ainda ando no estabelecimento a encher-me de pó para limpar todo o conteúdo. O que quero dizer é que ainda não estou totalmente livre. Mas já o sinto. Já sinto, sinceramente, o cheiro da liberdade. Ou seja, será tudo o que já tenho agora mais o que irei conquistar quando já não tiver as chaves do espaço e este já estiver entregue à senhoria. E em que consiste esta sensação de liberdade? É fácil e resume-se a estas palavras: poder apreciar no dia-a-dia as coisas mais simples, mais banais e mais triviais. Na prática, poder olhar com mais tempo para as coisas, para tudo. Para já, por aqui me fico, pelo desabafo. Estou ansioso por poder iniciar aqui uma rubrica destinada a dar a conhecer o que descobri no meu Portugal Continental. É que eu já não sonho conhecer além fronteiras. Ficarei muito feliz por conhecer, com os cinco sentidos, o rectângulo à beira-mar onde nasci. Deus me dê saúde para isso.

Saudações tripeiras do Francisco.

A lascividade do padre Zé Noquinhas

Aquilino Ribeiro, tal como outros célebres escritores, não perdeu oportunidade para glosar com hilaridade a não castidade dos sectores clericais. A Igreja ainda hoje vai metendo a cabeça na areia, fazendo de conta. É certo que há algumas vozes de dentro que vão deitando a pedra no charco, mas até ver vão pregando no deserto.

“O Chico Brás não tornou a cuquear com a Zefinha do Alonso. Repeso e assustadiço, ia nutrindo a esperança de que os rebates da gravidez podiam ser flato ou endrómina passageira, e mesmo que Nosso Senhor, amerceando-se com a quebra de mancebia, fosse servido de sustar tão grave dano para os dois. E, todo prognóstico, cuidou de pôr os santos da sua banda, rezando-lhes, depois de ceia, uma boa enfiada de padre-nossos e não se esquecendo de ajudar todas as manhãs a missa do padre Zé. Aí estava este, que era um rascoeiro de gema, sem olhar a donzela, viúva ou casada, que para riba dos setenta andava rijo como um pêro, mimoso da divina graça. Ora, o corpo o pede… Deus consente.

O Neve-Ladroa, que fora moço de padeiro no Porto e corria feiras e romarias em chinelos de trança largando pelas tavernas suas loas de borracho e doutor da mula ruça, disse-lhe uma vez à boca do adro:

- Estás um santarrão, amigo Brás! Mas olha, toma tento com a patroa. O marranito ainda chinca… e para toda a casta de pássaras!

O marranito era o padre, das unhas do qual, muito franzino e tarraco, nenhuma moça saía, a dar crédito às vozes, sem subir ao calvário.

O Brás, beliscado em sua honra, cresceu para ele; mas seguraram-no.

- Eu dou-te a chincadela, pedaço de bêbado! – espumava ele.

   …

… O padre Zé Noquinhas era um ronceirão e, a ler o missal, parecia mesmo uma velha a rilhar castanhas. Veio substituí-lo, fazia para o S. João um ano, o padre Francisco Gaudêncio, a rogo dos graúdos da terra, que deitaram a Lamego, serra da Nave fora, a falar ao bispo. O bispo queria despachar para ali um padrinho novo, desses de coroa não maior que um vintém, mais maraus que um raposo. Ná, para trabalhar as moças havia ferramenta na terra. Convinha-lhes o padre Francisco porque era homem de peso, tinha ali parentes e, pastoreando já em Peva, havia de ser mais maneiro que pároco encomendado na cobrança de alcavalas e pé de altar. Neste ponto, porém, lhes saiu o cálculo goro; o padre Francisco não desperdiçava uma migalha, que os dois filhos, estudantes, eram um sorvedoiro sem fundo. Aldemenos não era tanateiro nem beato, tendo sempre agrados para o rico e para o pobre, e lesto nas obrigações como ele não havia na diocese. Era ver aquele domingo da Ressurreição em que, com dois secula seculorum, mais dois amen dico vobis, a missa estava no papo…”

 

    (In "Terras do Demo" de Aquilino Ribeiro)

 

Ant. Gonç. (antonio)