Olhar o Porto - CXCVIII(As carquejeiras)
Mão amiga fez-me chegar um mail sobre a saga das carquejeiras que subiam a íngreme calçada da Corticeira (ia do rio Douro, agora vai da Av. Gustavo Eiffel, até ao Passeio das Fontainhas) com pesados molhos de carqueja para as padarias, e não só, do Porto. Vinha esse material nos barcos rabelos, rio abaixo, do alto do concelho de Gondomar, Castelo de Paiva, Marco e Cinfães. Bem, esta calçada, agora chamada das Carquejeiras, também já eu subi várias vezes e pontualmente continuo a subir, sem carga, a máquina fotográfica é leve, se não chego ao cimo com os bofes de fora devo-o sobretudo ao ginásio nomeadamente às práticas de respiração do yoga. Mas que a subida é dura, lá isso é. Experimentem e vejam quão madrasta era a vida para ganhar algum para o sustento da família.
Há um movimento na cidade para erigir uma escultura à memória dessas heróicas mulheres “as carquejeiras” que merece também o meu apoio. A última carquejeira faleceu há pouco, conforme o JN noticiou. Bem, mas o facto de terem mudado o nome de Calçada da Corticeira para Calçada das Carquejeiras, já foi de louvar. Outras vozes apelam para erguer também monumentos às carrejonas, às canastreiras, às leiteiras, aos ardinas já há na praça da Liberdade, e a tantas outras profissões que ainda são do nosso tempo de rapaz.
Até aos meados do século XX houve carquejeiras nas cidades e no meio rural. A carqueja devido às suas qualidades caloríferas era usada no aquecimento dos fornos e nas lareiras. Na terra das minhas raízes recorda-me uma carquejeira que vinha duma povoação vizinha, carregada com um molho de carqueja, chamiça e caruma, não se lhe via o corpo, tal como um ouriço, só pelo andar se sabia que era um ser humano e não uma besta de carga. Levava o molho para um vendeiro que também cozia a broa no forno para servir os fregueses. Não tenho presente se o pagamento era feito em escudos ou por troca, como na altura era usual, por algum açúcar, cevada, macarrão ou uma quarta de milho.
Curvo-me perante essa gente anónima que nos merece o maior respeito pela vida de sacrifício.
(antonio)