Dando vida ao passado (os fogareiros a petróleo)
Estes práticos e luzidios fogareiros fizeram furor, desfilando nas passarelles de tapete vermelho com toda a pompa e circunstância, sob os olhares maravilhados das pessoas que, não sofrendo de neofobia, os aplaudiam com entusiasmo esfuziante.
Idealizados por alguém com neurónios acima do comum dos mortais, contribuíram para facilitar a vida das mulheres deste planeta, por se revelarem mais cómodos, rápidos, limpos e de fácil manejo.
No tempo, que tinham como ritual acordarem aquando o cantar dos galos para acenderem a fogueira, com todos os requisitos e exigências, tais como partir a lenha, transportá-la, atiçar o lume para que as chamas se tornassem suficientemente espertas e incandescentes para ferver a água do púcaro de barro, onde se fazia o café, a invenção destes fogões veio contribuir para uma verdadeira revolução na arte de cozinhar.
Físicamente, são constituídos por um depósito em cobre onde se pode observar um orifício fechado com uma tampa de enroscar por onde engolem, avidamente, a sua bebida favorita-- o petróleo. Numa posição inferior, funciona uma pequena bomba que accionada contribui para uma maior intensidade da chama. Da base saem três hastes em ferro que servem de suporte às tempres onde se colocam as panelas. Estes dois exemplares só diferem nas formas das tempres: uma é circular, a outra oval.
Por vezes, os bicos entupiam devido às impurezas do petróleo. De imediato, entrava em função um objeto metálico com uma finíssima agulha que se propunha a eliminar todos os intrusos.
Recordo e aqui partilho uma peripécia engraçada relacionada com este invento, tendo como personagem principal a minha única tia paterna. Contou-me ela que, incluída num coiquinho, ficou de “conversé”a fim de se inteirar das últimas novidades bombásticas do jornal diário da aldeia, tendo como certo o bom desempenho do moderno fogareiro. O tempo foi passando e a hora do almoço aproximara-se. Apressadamente regressa a casa, faz várias tentativas para o acender, mas em vão. Este teimoso e determinado não colaborava apesar de todas as diligências tomadas como accionar a bomba, desintupir a canalização. Enervada com a situação atira a inerme maquineta pelas escadas abaixo, que estatelada no chão mais se assemelhava a um sapo de pernas escarrapachadas. Não contente com a proeza buscou um machado e definitivamente deu-lhe o golpe final, passando de imediato a certidão de óbito à infeliz. Escusado será dizer que esta protérvia teve como consequência um trabalho acrescido como acender o lume e todo o exercício físico associado a esta atividade.
A invenção destes fogareiros e os seus sucessores mais sofisticados ajudaram não só a melhorar a qualidade de vida das mulheres como também na confeção dos alimentos. Contudo, cá pela serra, uma boa posta de carne arouquesa só se lhe atribui a excelência quando assada num tradicional forno a lenha. O mesmo digo de um cozido à portuguesa feito numa panela preta ao lume. Mas tudo depende do(a) chefe que pilota a cozinha. Na lista dos ingredientes indispensáveis devem constar criatividade, talento, empenho, habilidade, conhecimento e muita paixão.
Estes dois exemplares melaxantos são herança de família. Já os submeti a uma superficial limpeza de pele para reavivar num deles as inscrições Indústria Portuguesa, um pastor semi-nu, com um cajado e um carneiro. (Não deixa de ter piada); no outro são visíveis as palavras Carfan, fogão nº 2 e dentro de um triângulo as letras CARSA? de tamanhos diferentes.
Apesar de idades muito avançadas não houve necessidade de tratamento com botox, como podem constatar.
Estas duas relíquias, maquinetas preciosas e raras, fazem parte das minhas memórias, guardando-as como tantas outras num espaço físico; contudo, por encerrarem tantas informações e inesquecíveis histórias dos meus entes queridos reservo-lhes um lugar especial num dos cantinhos dos meus afetos.
Com muito afeto
Benilde