Ainda há aquele velho hábito de limpar as casas da aldeia para estarem fines no dia de Páscoa. São resquícios da solenidade religiosa que esta festividade imanava no passado com o climax da visita pascal.
Na casa da aldeia em Macieira , Fornelos (Cinfães) onde só se vai a tempos espaçados há sempre uma teia de aranha aqui, mais ali um montículo de farinha em madeiras antigas, pó em cima dos aparadores e mais a um canto poderá eventualmente aparecer uma barata tonta. Foi neste último fim de semana que se foi meter mãos à obra nas limpezas supra citadas. Enquanto a …. andou agarrada ao aspirador a sacar as impurezas, eu andei no campo a deitar o olho ao batatal, reguei as alfaces, as favas estão em bom desenvolvimento, as ervilhas de grão estão quase prontas para colher, cuidar das árvores de fruto que estão agora a despontar, espetar uma sulfatada nos pessegueiros, fazer colheita de agriões e sacar os ladrões dos Kiwis. Enfim, no campo há sempre que fazer.
Enquanto me entretinha nestes trabalhos campestres, quem faz por gosto não cansa diz o rifão, o cantar do cuco entoava cucu, cucu. Todos os anos o rabilongo não se esquece de aparecer, fugidio e manhoso quanto basta, preguiçoso demais pois nem se dá ao trabalho de fazer o ninho, põe os ovos nos ninhos de outros pássaros.
E as andorinhas que chegavam sempre no fim de Fevereiro princípio de Março para a feitura dos ninhos ou reconstruir os que ainda existem no alpendre da casa? Ainda não chegaram, tal como no ano passado que só pela Páscoa foram avistadas, sinal que as alterações climáticas estão aí.
Vamos então no próximo domingo cumprir a tradição – abrir a porta ao compasso, se bem que não tenha o sabor doutros tempos.
Ant. Gonç. (antonio)
PS: Depois de ter redigido este post no Word e de o deixar para publicação em banho maria vejo que Benilde anda pelo mesmo diapasão quanto às limpezas pascais, que referiu com mais pormenor.
A Páscoa aproxima-se. No tempo da minha infância, a tradição impunha que a semana precedente à celebração da Páscoa, estava destinada às limpezas.
Os móveis saíam do seu lugar habitual, para que todos os espaços fossem devidamente escafunados. Os tapetes, as cortinas, as vidraças,as lâmpadas, as paredes e até os tetos eram polidos com um pano humedecido, com frequência bem lavado e torcido para bom desempenho da sua função. O soalho de madeira era raspado com um esfregão de arame a fim de se lhe retirar toda a cera velha e aplicada nova, que depois de bem seca, puxava-se o lustro. Esta atividade era o regozijo da pequenada. A enceradeira elétrica dos nossos dias, era substituída por um velho cobertor que, de forma escafóide, era tripulado por um piloto sentado sendo puxado por outro ao longo de um corredor com uns bons metros além da conta. E, para que a democracia prevalecesse, as suas posições eram alternadas.
Após as limpezas, iniciava-se todo o trabalho de decoração. Retiravam-se os velhos papéis que ornamentavam as prateleiras, sendo substituídos por outros com novo designer. Devido à cacotecnia que me assolava nesta área, o rendilhado não me saía nada bem, faltava-me a alma de artista. Contudo, com a ajuda dos mais criativos na arte de bem rendilhar a obra era engendrada com sucesso.
As limpezas, consideradas por algumas pessoas, um tremendo destrambelho, a meu ver estavam bem inseridas no contexto da Páscoa. É que habitualmente nessa semana, o padre agendava as confissões, dando oportunidade às pessoas para fazerem também a limpeza às suas almas, limpando toda a sujidade que pesava nas suas consciências. Desta forma, com tudo bem limpinho, tudo renovado as famílias estavam preparadas para, condignamente, receberem a Cruz. O dia tão ansiosamente esperado, Domingo de Páscoa!Uma semana de muito trabalho, onde a faceta lúdica, a dedicação, o empenho, a alegria estavam bem presentes.
Mas muito trabalho antelucano havia a fazer: Amassar a fornada de pão, fazer toda a doçaria, cortar os salpicões e presunto guardados especialmente para esse dia, abrir o pipo do vinho da melhor casta, cobrir as camas com alvas colchas de renda, pôr a mesa, fazer os últimos retoques à passadeira de pétalas multicores...Por fim, era hora da passagem de modelos da pequenada. Habitualmente, estreava-se, com toda a vaidade possível, uma peça de roupa oferecida pelos padrinhos e, alegremente, esperava-se o compasso.
A ansiedade era tanta que, com frequência, verificava-se o paradeiro da Cruz o que não era complicado, tendo como referência o som do foguetório e da sineta.
Chegado o compasso, a família perfilada na sala, ouvia atenciosamente as brevas palavras do Sr Abade sobre a Ressurreição de Cristo, beijava a Cruz, cumprimentava os mordomos e, finalmente, à roda da mesa, gerava-se um alegre e fervoroso convívio, um pouco limitado pelo tempo, porque o compasso teria de seguir o seu percurso.
Por mais que me esforce, é indescritível tanta emoção!
São estas simples recordações que aqui partilho e, quer as tenham ou não vivenciado, o meu desejo é que contribuam para preencher a alma de todos vós.