Uns dias passados na terra onde comecei a ver a luz do dia deu azo a que me estendesse pelas redondezas.
Dois locais históricos que andava com uma fisgada para visitar foram no Marco de Canavezes as ruinas romanas da cidade de Tongobriga e em Arouca o museu dos trilobites na louseira de Canelas, conhecida por pedreira do Valério.
Mas abraçar aqueles amigos de sempre, companheiros da EMPPorto, foi uma das minhas prioridades. Passei por Cabril, Castro Daire, bati à porta, mas o meu caro amigo José Gonçalves, colega de curso, tinha saído logo de manhã e só regressaria à noite. Tinha ido dar uma volta grande disse-me a funcionária do Café que o Zé explora. Deixei o meu abraço virtual. Na vila de Cinfães agarrei os colegas Albérico Camelo e o José Ferreira, amigos que o são mesmo. Outro colega que também estimo, mas esse não me dei ao cuidado de contactar, anda sempre assoberbado com os afazeres da presidência da CMC, digo eu.
Entretanto subi à serra do Montemuro e aí pude caçar uma das imagens também de marca da ruralidade do concelho de Cinfães. A pecureira com o seu rebanho de cerca de 300 cabeças de cabras e ovelhas e cinco cães, que tinha saído de manhã, às 8h da Aldeia de Aveloso onde chegaria ao fim do dia cerca das 20h.
Mas voltando ainda aos meus amigos de Cinfães, foi para mim motivo de satisfação a visita que fiz à casa de turismo rural “Cerrado dos Outeirinhos” (ver na NET) em pleno centro da vila. É propriedade do José Ferreira, que explora, tendo sido aberta há cerca de dois meses. Já era do meu conhecimento que o Zé sempre teve jeito para o negócio de modo que este espaço acolhedor, que idealizou, está vocacionado para ter sucesso. A abertura deste Turismo Espaço Rural será também uma janela aberta para quem é de fora e queira conhecer Cinfães e a região.
(Monte de S. Pedro com a capela secular ao fundo. Fica no Montemuro, freguesia de Tendais, Cinfães)
Tenho andado mais atento às extravagâncias corporais sobretudo dos jovens. Nos dias de praia caseira, que tenho aproveitado, ainda sem as nortadas típicas de Agosto, ali por Lavadores ou na marginal fozense, no Molhe, tenho direccionado os faróis para a profusão de tatuagens que parece entraram em moda. Uma pequena tatuagem na omoplata, na barriga da perna ou até na rechonchuda coxa da jovem não é coisa que me transtorne. Agora corpos estampados a não sobrar cútis, aí é que me não entra. E sobre isto tenho uma que já se passou aí há uns dois anos, o tempo agora corre-me mais depressa. Estava eu no ginásio, onde vou dando umas cambalhotas, e vejo numa máquina de musculatura uma fulana extremamente tatuada. Disse para o compincha que estava a meu lado:
- Olha, já viste aquela!...
O tipo que é daqueles que de futebol até transpira pelos poros, atalha:
- É mulher de.... (Um jogador de futebol, com tatuagens também até mais não, jogou no FCP e agora anda pelo estrangeiro em clubes ingleses, creio que no Chelsea).
Quando fiz a guerra colonial havia pessoal que embora não embarcasse em monumentais tatuagens (a moda ainda não tinha chegado a esse ponto), alguns, geralmente no braço mandavam gravar “amor de mãe”, ou “amor de Paula” etc, esta a namorada que tinha ficado no puto (já por aqui expliquei o significado desta designação, aceite pela tropa e pelos civis de Angola). Tudo feito na febre dos vinte e poucos anos, com a sinceridade da juventude. Só que muitas vezes a Paula foi de vela e o casamento foi com a Joana. Esta tinha sido apanhada pelo nosso Manel, primeiro cabo atirador, como madrinha de guerra na revista “Plateia”, que anunciava estas correspondências, e daí em espiral até ao engajamento foi tiro e queda, passe a expressão cinegética. E agora fazendo eu especulação, no clímax amoroso na cama adquirida em Paços de Ferreira nos anos setenta, de cabeceira alta trabalhada, colchão de molas helicoidais, o Manel, tripeiro de gema, com vivências na Rua da Reboleira, à Ribeira, até ser chamado às sortes, moço de fretes no cais da Estiva desde que fez a primária, achava-o uma primeirinha!... E era, comparado com a enxerga mexeruca da caserna pindérica do aquartelamento no interior do norte de Angola. Não seria pois muito propício ao libidinoso acto camal a Joana estar sempre a ver a Paula, não certamente na cabeça do amante Manel, mas no seu braço!... Mas isto são coisas supérfluas da minha parte, de falar por falar. Como também não gosto de ver agora, falando ainda de adereços corporais, de artilharias metálicas, um “velhadas” de brincos – estou a referir-me ao cantor do 25 de Abril de 1974 – “E depois do Adeus”, senha radiofónica do início da revolução.
Não me considerando um bota-de-elástico também não sou um prafrentex por aí além, admito que me sinto um bocadinho ultrapassado nestas vanguardices.
Já pelos anos setenta eu tinha o hábito de andar a cirandar pela baixa do Porto. Hábito que ainda hoje vou mantendo, geralmente solitário, mas uma ou outra vez encontro-me com um amigalhaço do tempo da tropa. A cidade é sempre um manancial de coisas e casos que acontecem ao virar da esquina, transversais nas várias épocas.
Ainda o governo de Marcelo Caetano estava de pedra e cal, não serei tão peremptório, mas enfim, a guerra colonial estava a decorrer e ai de quem fosse traidor mandando umas bocas foleiras sobre este tabu!...
Ali pela porta da Brasileira, leia-se café da Brasileira, (o melhor café é o da Brasileira) era o slogan que até na Província se via pintado em paredes, no largo passeio havia sempre gente de língua afiada ligada ao ensino, à advocacia, à medicina e jornalismo, pondo a escrita em dia sobre a situação política da época.
Pereira Dias era um professor dum colégio da Baixa, já meu conhecido de vista até pelo vozeirão que não deixava ninguém indiferente. Bom corpanzil levemente inclinado para a frente, com a inseparável pasta de couro, (naquela época as pastas eram todas iguais) lá vinha ele pela Rua Sampaio Bruno e quando passa junto à Brasileira manda umas bocas sonantes indiferenciadas de prós e contra a situação política que deixou todo aquele maralhal estupefacto e sorridente. Mais tarde, já após o 25 de Abril de 1974, voltei a ver o seu carisma numa reunião sindical do único sindicato de professores existente no norte – SPN, na Cooperativa dos Pedreiros, à rua da Alegria. (Ainda não tinha havido a cisão que deu origem a outro sindicato, o SPZN). Depois da mesa dissertar sobre o que estava agendado, o professor levanta-se tumultuosamente, manda umas bojardas, sempre contestatário a tudo e a todos, deixa na mesa um livreco da sua autoria que era, segundo disse, sobre uma associação ou sindicato ou pró, já não me recordo, dos professores do ensino particular. E com a mesma desenvoltura turbulenta abandonou a reunião sindical, enquanto resmungava deixando todos os presentes boquiabertos. Anos mais tarde vim a saber que o professor era bom na disciplina que ministrava no colégio e que era natural de Resende. Fica o registo.
Este título é o slogan que se ouve no regime dito democrático. Eu como deixei de acreditar nesta democracia digo que o meu voto não é secreto. E não o é, pois não vou alinhar que me usurpem o voto para depois fazerem com ele gato sapato.
Fora isso também não darei o meu voto a políticos que gostam de entornar e depois são apanhados a conduzir com taxas elevadas. Agora foi o caso de um candidato a uma câmara dos Açores que fez miséria com o seu “Ford Mustang”. Antes tinha sido apanhado, bem bebido ao volante, numa operação da polícia, o candidato à câmara mais importante do Vale do Sousa, actual vice. E que dizer daquela garbosa deputada do maior partido da oposição, há uns meses, também foi apanhada a conduzir com grão na asa!... E quantos mais políticos não haverá por aí a conduzir bem encharcados que não são apanhados!...
E para ajudar à contenda, a cereja em cima do bolo envenenado, os senhores da Relação do Porto dizem que beber uns canecos até dá euforia no trabalho! Pois dá!... Faz-me lembrar a máxima do governo de Salazar, embora dizendo noutra perspectiva, que a cultura do vinho dava trabalho a um milhão de portugueses.
O meu voto nas autárquicas, legislativas ou nas europeias está tomado.
Na terra das minhas raízes em Macieira, Fornelos, Cinfães tal como noutras localidades do Douro Litoral e Minho, como adiante referirei, podemos dizer que o preguiceiro fazia parte da mobília da casa rural. Mas então porquê este nome sabendo nós que preguiça certamente não havia no povo trabalhador das aldeias! Era trabalho de sol a sol, férias não havia, reformas ou RSI nem pensar.
Os preguiceiros tinham dupla função, de sentar a família aconchegada à lareira depois de um dia de trabalho no campo, e também de servir de mesa, era uma tábua que descia, o que dava muito jeito nas noites frias. O meu pai sentava-se do lado do lume, ia ajeitando as tocas no trasfogueiro com as tenazes enquanto o gato enrolado em circulo fechado batia uma soneca à pala do quente. Na época da matança do porco a lenha para a fogueira era sobretudo ramaria verde de pinheiro, fazia cá uma fumarada, para curar o fumeiro!... O meu pai sofria da bronquite, mas a cura dos salpicões era necessária, aguentava firme por uma boa causa, pensava ele, pois o fumeiro era uma das riquezas do lavrador. A minha mãe andava sempre numa roda-viva, só se sentava no preguiceiro à hora da ceia, pois além da arrumação dos tarecos da cozinha tinha sempre cuidados com a pitarada, os bacorinhos, a porca quando paria era preciso saber se todos tinham mamado, eram mais do que as mães (leia-se tetas). Ou também as ovelhas, uma era bordaleira, berrava, andava ao carneiro, não raras vezes tinha dois anhinhos de um ventre. Ia, minha mãe, de lampião com a torcida nos mínimos para não gastar petróleo, aos aposentos dos animais enxergando se tudo estava nos conformes, o meu pai já tinha ao sol posto acomodado o gado pesado.
Alguns preguiceiros tinham na parte central, cuja porta era o tampo da mesa quando estava ao alto, uma arrumação tipo armário onde se guardavam bens essenciais sobretudo a boroa e algum naco de queijo que assim ficavam a salvo da ratice.
Segundo António Mota, escritor de Baião, no livro "O Agosto que nunca esquecerei", diz: o preguiceiro era um primo afastado do sofá, mas, evidentemente muito mais duro e incómodo. E Arnaldo Gama, escritor portuense cita em "Sargento-mor de Vilar", romance histórico sobre as invasões francesas de 1809, referindo-se à casa do dito: havia na cozinha duas compridas preguiceiras. Uma delas era forrada de cortiça o que indicava que pertencia exclusivamente ao uso particular dos donos da casa. Em S. Miguel de Seide, Famalicão, na Casa de Camilo também lá está o preguiceiro na cozinha.
Foi num dos preguiceiros com a mesa descida, que à luz da candeia fui encaixando as primeiras letras e depois toda a história de Portugal, bem como serras e serrinhas, linhas férreas, ramais, estações e apeadeiros; e de matemática? E gramática? Eu que fui um aluno da média, lá me fui safando apesar das ténues condições para a aprendizagem comparadas com as que hoje são proporcionadas aos alunos.