Pela ruralidade - CXXVI(O beijo do cura)
Umas cenas gaudiosas que não presenciei mas que de fonte segura são verdadeiras no essencial passo a descrever.
O protagonista do enredo já não está entre nós, era o pároco de Fornelos – Cinfães. É sabido que os padres, apreciadores da boa e farta mesa não eram dados a dietas, bem pelo contrário eram mais pela gula. Não é por acaso que se diz ainda hoje: comezaina à farta abades.
Bem, mas vamos ao pitoresco da cena. Lá pelos anos setenta do século passado o fogoso senhor abade, como por lá era designado, não se fez rogado quando foi convidado para um casamento cujo banquete foi realizado lá para os lados de Arouca. Até aqui está tudo consentâneo com o que atrás disse, a meio da comezaina havia, e parece que ainda há, o hábito de bater com os talheres nas mesas para o par dos recém-casados se beijarem. Tudo bem, mas a seguir vinha o melhor, então havia sempre uns malandrecos galhofeiros que com bom vozeirão atacavam:
- Agora é fulano com fulana, normalmente casais, e em caso de resistência a garfaria fazia barulho até verem a beijoca que já não seria dada pelo par, geralmente entradotes, sabe-se lá há quanto tempo!...
As brincadeiras iam correndo e o abade aparentemente ia alinhando na galhofa mas já um bocado receoso que chegasse a sua vez, até que:
- E agora vai ser o senhor abade com fulana (uma santaneira, voz conhecida no canto à hora da missa, quarentona em bom estado geral, viúva da guerra colonial, foi receptora de uma medalha de cruz de guerra de 1ª classe, em grande parada militar no Terreiro do Paço, pela bravura em acções de campanha em Angola contra os turras, do falecido marido; não voltou a casar até para não perder a tença que o Estado lhe dava pela morte do militar; andava muito pela igreja a limpar as chagas de S. Sebastião e no altar ao lado adorava afagar a tanga do esbelto S. João que carregava o cordeiro), berrou lá do fundo um já bem comido e melhor bebido com as faces já bem rosadas da pinga. A risota foi geral, até o sacristão parente dos noivos, a quem nunca se tinha visto a tacha arreganhada, tinha tangido o sino no campanário quando os noivos deram o nó, estava em gargalhada despegada com a dentadura já bem desfalcada e a sobrante cor de funeral. O batuque era ensurdecedor com a garfaria a bater nos pratos perante a hesitação do padre que se torceu na cadeira, engoliu em seco, embora ainda com um sorriso nervoso amarelado, não teve chance, lá deu um beijo insípido na amiga da igreja que não estava ao seu lado para não dar nas vistas, estava por perto. Mas o pessoal é que não ficou pelos ajustes. Voltou à carga e em uníssono:
“Queremos melhor”, “Queremos um beijo a sério”, “Festa é festa senhor abade” dizia o pai da noiva, “Um beijo molhado” incitava o sorrelfa mulherengo ferrador que calçava a égua do padre antes de ter o quatro rodas. Só a Miquinhas governanta da residência paroquial e beata mor lançava as mãos à cabeça e exclamava: abrenúncio, o que estão a dizer ao senhor padre!... Também o agiota falsário merceeiro para não perder o bom cliente que era o cura, estava numa de nem vou lá nem faço minha.
Até que o curador de almas, se tivesse um buraco no chão enfiava-se, ganhou coragem e numa fuga para a frente se não mandou um beijo na boca da parceira, andou por lá perto. O lingrinhas Zé da Toca, irmão da noiva, alcoviteiro até mais não, afirmava a pés juntos que tinha visto um beijo dos bons, era um troca tintas a quem não se podia dar muito crédito, mas como ele jurava a pés juntos!…
Mais tarde o cura ao ser interpelado pelo sucedido comentou este episódio dizendo: “em público é feio”. E agora cada um dos leitores fará a interpretação que entender, eu já fiz a minha, mas fico-me por aqui!... Já outros, os nossos célebres escritores nomeadamente Camilo, exploraram bem a castidade formal dos eclesiásticos.
Ant.Gonç. (antonio)