Foi sempre meu desejo, se tivesse condições, era um rafeiro que gostaria de ter. Seria de porte não corpulento, mais para o baixinho sem ser anão de olhar vivo e não de carneiro mal morto. Um daqueles que são amigos do dono ou de conhecidos com o rabo a dar a dar em leque quando sentem por perto quem lhes queira bem. Excluiria da minha convivência raças perigosas por um lado e por outro também não seriam do meu agrado os lulus mimados.
Quanto aos potencialmente perigosos deviam ser só permitidos excepcionalmente em moradias com cercas devidamente vedadas e nunca em apartamentos minúsculos.
Parece que é fine ter um possante argentino ou um arraçado cruzado de pitbull e leão-da-rodésia!... Depois assiste-se a ataques desses canídeos com as consequências graves como ultimamente tem acontecido.
Valham-nos os santos anjos, como é tradição dizer-se, será que os donos, geralmente gente jovem, dessas raças perigosas se sentem mais másculos por terem uma dessas feras?!...
Vamos voltar à escola do Passeio Alegre, na Foz, referida no meu post anterior.
Na altura em que lá aterrei nos primórdios dos anos setenta do século anterior, encontrei um veterano professor, de seu nome Ferreira da Costa. Era fozense, com chapéu na cabeça chegava à escola no seu Datsun 1000, acumulava as funções docentes com a directoria da escola e também era Delegado Escolar. Na secretária do gabinete da Delegação tinha sempre um amontoado de papelada que não sei como é que o homem fazia farinha daquilo, mas lá se ia atombando!... Nos intervalos dos tempos lectivos, à hora do recreio dos alunos como se dizia, contava-me estórias da sua vida docente em Pataias, lá para os lados de Alcobaça e também as extravagâncias da socialite da Foz, betinhos maduros, que se entretinham com jogos libidinosos que não seriam tipo ballet rose mas andariam por lá perto, o baralhar das chaves no escuro e tirar à sorte. Era, Ferreira da Costa, um salazarista convicto, argumentando que Salazar trouxe ao país a paz social. E para atestar o que dizia sugeria-me que fosse à biblioteca municipal do Porto e que lesse nos jornais da época a balbúrdia que grassou no país nos primeiros anos da República, a que o homem de Santa Comba Dão pôs termo. Adiantava-me, aquilo eram golpes e contra golpes, manifestações, greves, arruaças, uma bandalheira onde ninguém se entendia, não havia governos firmes e perenes.
Bem, estas mensagens ficaram-me cá no subconsciente adormecidas até que foram trazidas ao de cima nos anos da brasa, durante o PREC. O que o professor Ferreira da Costa me tinha dito repetiu-se após o 25 de Abril de 1974, onde os acontecimentos da primeira república, foram como num texto do Word, copiados e colados.
E já agora quem não tem presente o que escreveu Eça de Queirós sobre a governação do país da segunda metade do século XIX, que se aplica aos tempos de hoje que nem uma luva?!... A história repete-se? Talvez.
Dizem as estatísticas que Portugal apesar de ter uma baixa natalidade ia equilibrando a população devido à imigração, o caso inverteu-se, e agora até a emigração até é cada vez maior.
A situação é preocupante em termos de futuro pois cada vez há menos fabrico de descendentes.
Vejamos bons exemplos de demografia:
D. Sancho I que ficou para a história “O Povoador” , o cognome assenta-lhe que nem uma luva, teve 20 filhos!...
Já o padre de Trancoso no século XV excedeu em muito a fasquia, 299 filhos. Autor das mais elevadas fertilidades, familiares directas, comadres, afilhadas, enfim em tudo o que tinha racha, era um ver se te avias… Enquanto a Igreja mete a cabeça na areia os trancosences recordam o clérigo perpetuando-o num monumento.
Nos finais do século XVIII, o grande impulsionador da cidade do Porto para fora das muralhas fernandinas, João de Almada e Melo desposou aqui no Porto Anna Joaquina Lencastre que era viúva com 13 filhos. A seguir vieram mais dois, sendo um deles Francisco de Almada Menezes que também ficou célebre para o bem e para o mal, alargou a cidade com novos arruamentos mas espatifou a maior parte das muralhas fernandinas.
Já agora, para não parecermos redutores, nos nossos dias um, que foi ministro da educação, chegou a nove descendentes.
Não resisto a dar aqui o testemunho de passagem de um livro que acabei de ler “S. Tomé e Príncipe, um paraíso ainda sem rumo” onde se diz que até ao 25 de Abril de 1974 o poder absoluto dos senhores das roças, (eram estados dentro do estado) defendiam a poligamia dos trabalhadores advogando que a monogamia acarretava uma diminuição de escravos, logo a uma depreciação comercial. (Note-se que abolição da escravatura já há muito tinha sido decretada, mas na prática!…)
A vida profissional de cada um provoca situações inusitadas e inesquecíveis. Prova disso é este testemunho que o meu estimado colega de curso e amigo António publicou: a nota de vinte escudos. Não é que isso fosse necessário mas confirmo, na íntegra, tudo o o que o António relatou. Ele próprio já me tinha contado este episódio. Então o que é me traz aqui ? Nem mais nem menos do que o edifício. O edifício onde funcionou a escola onde o António leccionou e onde funcionou cumulativamente a 10.ª delegação escolar, é uma maravilha de arquitetura e de posicionamento. Tive o privilégio de poder fazer algumas visitas quer ao meu colega António quer ao meu último delegado escolar, o colega Alves. Uma vista de eleição, como se pode calcular. E não só de Verão. Também de Inverno, era maravilhoso poder estar no aconchego do edifício e ver a agressividade da metereologia. Atrevo-me a dizer que poucas escolas têm uma situação privilegiada como a desta escola. Mais tarde, a então vereadora Ernestina Miranda, da Câmara Municipal do Porto, manifestou o seu desejo de transformar aquele edifício no Museu da Escola Primária. Não conseguiu levar avante o seu projeto. Foi pena e foi pena que ninguém tivesse aproveitado a ideia mas já sabemos que era uma ideia «socialista» e o atual executivo não é da mesma cor política... Obrigado António por relembrares esta situação e este edifício.
No meu primeiro ano de trabalho da vida activa fui colocado numa escola à beira do jardim do Passeio Alegre, na Foz do Douro, na confluência do Douro com o mar, mesmo à ilharga da praia das Pastoras. O edifício ainda lá está mas com outras funções, está bem tratado exteriormente, diria um brinquinho, mas no miolo nem por isso segundo me informaram.
Quando lá cheguei foi-me entregue uma 4ª classe, como na altura se dizia, só rapazes, a coeducação veio depois. Era uma turma heterogénea, usando uma terminologia do senso comum, diria agora à distância liberto das funções docentes, uns eram duros como calhaus, outros espertos que nem águias. Como ainda vinha com ideias frescas do curso acabado de tirar lá fui dando o meu melhor para no fim do ano propor a exame os capazes. Quando essa altura estava a chegar, certo dia no fim de Maio senti algum desconforto com uma avozinha que zelava pela educação do netinho. A senhora dirigiu-se-me com a melhor das intenções suplicando-me que propusesse o netinho a exame, e enquanto expunha as suas razões falando-me ao coração tentou meter-me na mão uma nota de vinte paus, que não aceitei, dizendo à senhora que o seu netinho ainda não tinha atingido os saberes para ir a exame da 4ª classe, na altura os exames eram feitos com toda a pompa e circunstância na escola do bairro da Fonte da Moura. (Só para termo de comparação em relação aos 20#00, na altura um JN custava 1#50, agora é só fazer as contas, como dizia Guterres).
Este caso tocou-me de certa maneira, não pela alegada oferta monetária, mas sim pelo gesto da avozinha que queria o melhor, na óptica dela, para o rapazinho que ajudava a criar.
A vida também é feita de pequenas estórias, esta é mais uma.
Andava cá com uma fisgada de fazer um circuito à cidade nos autocarros turísticos que agora proliferam na nossa terra!
Tal como a canção dos “Deolinda”, hoje não porque chove, amanhã não pois estará um calor de rachar segundo os troca tintas da meteorologia, depois também não, estará um vento de NW que nos levará o quico a esvoaçar lá de cima do primeiro andar do descapotável bus. Nunca era dia, mas foi. Pagantes, 10 euros com direito a fones e prospecto com a descrição sonorizada dos locais emblemáticos da cidade. Toda aquela informação já nós conhecemos de ginjeira, bem, sabemos o essencial, quase que me atrevia a dizer, não digo porque sou uma pessoa modesta, mas vá lá, já mereceria uma mini licenciatura arrelvada. As vezes que temos andado a pisar as pedras da calçada já nos dá um certo background de conhecimento sobre o Porto de antes e depois dos Almadas, os grandes obreiros pela expansão da cidade para fora do muro, leia-se muralhas Fernandinas, só um senão à luz dos tempos de agora foi na minha óptica um erro terem enveredado pela destruição quase total das mesmas.
Há dias dizia, cito de cor, Rui Rio que a cidade está a atravessar um “boom” com as viagens baratuchas da Ryanair que despejam por cá bateladas de turistas sobretudo espanhóis. Ou melhor, Rio disse por outras palavras, se os voos fossem cancelados seria muito mau para a cidade. Pode-se dizer que não será o turista de graveto mas na realidade quer os autocarros turísticos quer nos Rabelos no Douro é um ver se te avias, é sempre a bombar. Pode eventualmente não ser o turista que irá deixar o couro e o cabelo no novo hotel na Praça em pleno coração da baixa – palácio das Cardosas, mas de qualquer forma nota-se vida na cidade. Ah! É certamente para os que nos visitam que agora se vêm alfobres de “hostels”, normalmente em edifícios com traça que foram recuperados.
Em 1898, no semanário Educação Nacional, o professor Carlos Soares escrevia sobre “a instrucção primaria em Sinfães”
"Sinfães, é sem duvida, um dos melhores concelhos do districto de Vizeu e, não só por isso, mas também porque está desprovido dos mais rudimentares benefícios públicos, esquecido quasi, devia, comtudo, possuir o melhor de todos os até hoje imaginados e conhecidos – a instrucção primaria, pelo menos, organizada regularmente.
A exemplo doutros concelhos tem algumas escolas, não as suficientes para o numero de analfabetos diminuir, e essas não obstante estarem legalmente providas, não possuem, com excepção de duas, Moimenta e Tarouquella, casas d´aula; têm, com pesar o manifestamos, verdadeiros focos de infecção, sem capacidade, sem luz, sem ar, e completamente desprovidas de mobiliario.
A própria casa d´aula do sexo feminino de Sinfães (sede do concelho) é de taes dimensões, (cerca de 18 metros quadrados) e tanta luz possue que a professora, se o ceu estiver nublado, tem de acender candieiros para ella e suas alumnas verem, ou hade, então, para se não incomodar muito, mandar as creanças embora e isto, numa cabeça de comarca, que já teve escola complementar!
Se o inspector vier visitar as escolas, e isto acontece em todas as do concelho, e o professor queira usar da delicadeza de lhe oferecer a sua cadeira tem de ficar de pé ou sentar-se no soalho!
Sabemos de fonte limpa que a professora da sede do concelho, como os demais colegas do concelho, innumeras vezes tem officiado, suplicando mesmo providências para o estado lastimoso em que se encontram as suas escolas, mas isso, apesar de ser tudo tomado em consideração pelas respectivas auctoridades, nunca, até hoje, serviu para se providenciar, e crêmos, infelizmente, que emquanto assim correrem os negócios da instrucção há-de suceder sempre o mesmo!
Em casas assim, desprovidas do mais essencial, pode-se exigir do professor bons serviços?
Nunca. Embora elle se sacrifique, como o faz todos os dias, não póde colher da sua santa missão os fructos desejados.
Póde martyrisar-se mesmo, mas enquanto não tiver quem promova a frequência escolar e lhe proporcione os confortos necessários – bons edifícios escolares e respectivas mobílias, elle esmorecerá, com o decorrer dos tempos, sem vêr das suas aptidões os resultados preconizados!
Este concelho ainda não está, felizmente, com a nota de ter sido inspeccionado de correria , como temos notado em outros, e por isso antes que aqui venha o encarregado de tal serviço, pede-nos a consciência que tornemos bem conhecido o estado degradante em que se encontram quasi todas as suas escolas, afim de que esse magistrado saiba a tempo o meio por que pode ser honrado, digno e justiceiro na sua missão.
Para isso, se as columnas da Educação Nacional nos derem a honra de publicidade d´estas despretensiosas linhas, em uma serie de artigos, procuraremos, quanto possível com os melhores dados, fornecer notas exactas do estado da instrucção neste concelho e as causas por que ella não tem progredido."
PS: O professor Carlos Soares foi presidente da C.M.Cinfães nos anos trinta do século passado. Já por aqui falei nele na abordagem que fez sobre as escolas das freguesias de Cinfães. O povo de Fornelos não o esqueceu pela chegada da estrada em macadame, na altura uma abertura civilizacional.