Um dos meus 1ºs de Maio
Estávamos em 1972. A situação política no país estava aparentemente serena, mas havia cancros latentes. A guerra nas colónias era um calcanhar de Aquiles para o governo que estava emparedado entre aqueles que eram pela pátria una e indivisível e outros que queriam a todo o custo uma solução.
E o povo o que pensava? Pensava mas não exteriorizava pois o regime estava protegido por uma polícia política que por sua vez também arrebanhava “informadores”. Era neste quadro que se vivia em Portugal onde o povo, cordeirinho manso, só levantava a garupa de maneira incomodativa para o governo, no 1º de Maio. De certo modo nessa data estava moralizado, apesar das proibições, para ir para a rua como acontecia noutros países.
Palco favorito aqui no norte era a Praça da Liberdade, nome sugestivo, e Avenida dos Aliados. Pelo começo da tarde começavam os “indignados” da época a dirigirem-se para a Baixa. E cada vez mais, trabalhadores, estudantes, uns mais politizados que outros, mas tudo irmanado a enfrentar a proibição da comemoração do 1º de Maio. A mole humana começava a engrossar e a polícia estrategicamente tinha carrinhas com agentes nas imediações, Largo dos Lóios, Praça Filipa de Lencastre e Praça de D. João I. Entretanto uma ramona da polícia com um altifalante acoplado no tejadilho subia e descia os Aliados à ordem do temível comandante Major Santos Junior, anunciando alto e bom som que não eram permitidas manifestações e que davam xis tempo para as pessoas dispersarem e a polícia actuaria caso a ordem não fosse acatada. Ninguém arredava pé. Às tantas entra a polícia, cassetetes no ar e era sempre a cascar. No meio da barafunda também havia agentes dissimulados da PIDE/DGS que ajudavam a manter a “ordem”.
Os acontecimentos dos 1ºs de Maio também serviam para lá fora saberem que em Portugal não havia liberdade. A nossa imprensa referia-se, mas não se podia alargar, tinha a censura à perna.
No pós 25 de Abril de 1974 o primeiro de maio tem sido celebrado em liberdade. Sintomático é ver as duas centrais sindicais, defensoras dos trabalhadores como dizem, celebrarem os festejos em separado. Em 1982 ambas as centrais sindicais disputavam a Baixa para o 1º de Maio, a coisa deu para o torto com a polícia a intervir tendo havido dois mortos e feridos. Não se compreende esta desunião sindical.
PS: Passei hoje pela Baixa, o cavalo, leia-se estátua equestre de D. Pedro IV, lá está firme como sempre, a Menina Nua entristecida e o Rui Rio feliz, pois agora os trabalhadores manifestantes do 1º de Maio já não estragam os belos jardins que ali existiam, foram mandados todos para o rio mas quem devia ir para lá era o Rio (passe a figura de estilo), nhé, nhé, nhé!...
(antonio)