Olhar o Porto - CXXVIII(Chapéu enganador)
Diz-se que o pau é a defesa do homem. Não sei se tem a ver com o jogo do pau onde não há ganhadores, no fim cumprimentam-se sempre; ou se terá a ver com o marmeleiro, indispensável companhia do pessoal, que da serra desciam às romarias e feiras (já por aqui falei do jeitaço que dava na feira de Nespereira quando a coisa dava para o torto); ou se terá a ver com o sentido eufórico do macho latino. Inclino-me mais para este último, mas cada um dará as interpretações que bem entender.
Mudando de agulha direi também que o chapéu era elemento indispensável e que dava muito jeito àqueles que prematuramente perderam a juba no alto da cabeça, será também a defesa da tola para que não lhe caiam uns pingos dalguma nuvem traiçoeira. (A cartola, essa era só para os senhores aristocráticos que se viam acima da escumalha que trabalhava de sol a sol a terra para os primeiros).
Porto, parte oriental da cidade como agora se diz, freguesia do Bonfim, paredes meias com Campanhã, na escola onde trabalhei durante bastantes anos havia, in illo tempore, ainda a Revolução dos Cravos estava na barriga da mãe, o parto quase a dar-se e com previsão de ser por cesariana para haver menos estragos colaterais, um professor usava chapéu. Quando entrava na sala deixava nos cabides do corredor a cobertura. Sinal evidente para o diretor que fulano estava no seu posto de trabalho. Não está aqui em causa se era bom, assim assim, ou mau professor. A verdade é que gostava, a meio da manhã, ir tomar um carioca a um café da rua próxima, a do Heroismo. Fazia isso de maneira ardilosa, para não ser apanhado em falta, deixava o indispensável chapéu no cabide, enquanto sorrateiramente levava os pés às costas. Mas tantas vezes vai o cântaro à fonte que até há um dia, deixa lá uma asa, diz o certeiro aforismo popular. O Diretor da escola, que era de gancho, foi sendo comido pelo desenfianço do professor, mas certo dia como tinha de ir à sala falar com o dito, bateu à porta, o chapéu estava no cabide, e nicles, professor vai no Batalha. Pois foi o bom e o bonito, o diretor esperou o foragido e desancou-lhe cá um sermão ensanduichado por processo disciplinar que o ia engabardinar para o resto da vida.
Não assisti à cena referida, passou-se um ano, ou dois, antes de ter ido para aquela escola, foi-me contada pelo rígido diretor e que foi corroborada por outros profissionais, dou-a como totalmente verídica. A vida é feita de estórias, esta é mais uma que me ocorre.
(antonio)