Pela ruralidade - LXXXIX (Em Macieira de Fornelos, Cinfães, a m/velha cozinha)
Desde sempre nas aldeias as casas de lavoura tinham uma ampla cozinha. Distinguia-se das restantes divisões que eram diminutas, nomeadamente os quartos e a sentina que era um cubículo, mas a cozinha essa era espaçosa. Era aí onde se passava a azáfama da casa, cozer o pão, e então à volta da lareira havia toda uma catadupa de afazeres, confeccionar os alimentos e consumi-los, de Verão na mesa de quatro pernas e no Inverno na tábua do preguiceiro que baixava nas barbas do lume. Nas noites frias à luz da candeia, era a matriarca a fiar para mais tarde fazer uns coturnos. O petiz que foi, e agora aqui a alinhavar estas memórias, a fazer os deveres da escola na lousa e a memorizar as linhas do caminho-de-ferro, ramais, estações, apeadeiros com a dificuldade que agora se imagina, à luz da candeia. A lição tinha de ir bem estudada, pois a rigidez da professora, já por aqui falei nela (ver link no fim do post) era de escacha pessegueiro. Ainda bem que naquela altura não havia auto-estradas nem itinerários principais ou complementares senão tínhamos que encornar a A 1, 2… ou IP 1, 2 ,3… ou IC 1, 2, 3, 4…etc.
Era, a cozinha, também o local das conversas cruzadas sobre o andamento dos trabalhos agrícolas do dia e as programações para o dia seguinte. Rezar o terço também, principalmente no mês de Maio, mas esse hábito nunca o presenciei na velha cozinha das minhas raízes. O patriarca, esse enquanto atiçava o lume nas achas colocadas em plano inclinado no tresfogueiro, passava a mão calejada pelo lombo do gato que enroscado também saboreava o quente do crepitar na lareira, ia magicando na madrugada que ia fazer para regar o milho do restivo que já estava a pedir água com a folha torcida. Não podia ter perna manca pois tinha de dar a poça das Várzeas e a brecha do campo da Seara vazias ao dar o sol na capela.
A fumarada que saía da lareira não atrapalhava, era até uma mais-valia para curar o fumeiro (ver imagem). Chaminé de saco não existia, apenas uma trapeira no telhado deixava escapar o fumo, e consequentemente por onde entrava também o frio. As chouriças, as moiras, os salpicões e o paio eram uma das riquezas gastronómicas que todo o lavrador que se prezasse não podia dispensar. Eram produtos de cevados alimentados com lavagem, nada de rações, tudo caseiro. Pás de presunto também eram curadas, apalavradas por forasteiros citadinos de um ano para o outro que não se inibiam de abrir os cordões à bolsa. Eram presuntos de boa gastronomia, de carne da perna como se costuma dizer, para levar e confraternizar com os amigos de sabor requintado.
A velha cozinha dorme agora um sono letárgico!...
http://magisterio6971.blogs.sapo.pt/91305.html
Fiquem bem, (antonio)