Pela ruralidade - LXXXVII (O velho forno)
Ele ali está na cozinha velha, nostálgico mas garboso, inactivo, num descanso merecido, qual ancião a gozar a reforma. Na parte de baixo a pilheira ainda tem resíduos de cinzas dum passado activo. A seu lado o companheiro de sempre, o preguiceiro com a sua dupla funcionalidade, servia de banco, e mesa que baixava ali mesmo nas barbas da lareira, e quão bom era nas noites frias de Inverno! ( Até o miau estava por ali enroscado e quando se punha sentado com o dorso para o lume era sinal anunciador de vinda de chuva, diziam os meus progenitores. É sabido que os animais prevêm primeiro que o homem as mudanças climáticas e até tremores de terra). Muitas fornadas de broa dali saíram durante gerações. E no dia da festa anual da terra, romaria do Senhor dos Enfermos, sempre no dia de Pentecostes, um alguidar esbodegado, velho como a Sé de Braga com dois gatos a segurar uma rachadela que ia de alto a baixo, mas ainda funcional, cheio de arroz e umas pás dum anho de criação (tinha sido preparado pelo marchante da terra) por cima, suspensas por pauzinhos de loureiro, ia tudo ao forno e que magia! O verdadeiro arroz do forno bem acompanhado, que cheirinho!...
O puto de calção rachado ao nível do rego do sim senhor (é feio dizer cú, traseiro vá que num vá), que dava um jeitaço do caraças para na hora dos apertos, alapar e fazer uma larada, botas de pneu abonadas que tinham sido estreadas no ano anterior a quando da entrada para a escola, delirava com toda aquela azáfama à volta do forno. Para ele e para os progenitores era um dia diferente com todo o ritual da bênção da massa na masseira bem caldeada com o crescente. Meu pai dizia-me, vai também à corte das vacas com fulana,( quando se metia ao forno havia sempre alguém de fora que ajudava), buscar uma telha de bosta para tapar a porta. E passadas umas horas, quando esta se abria, tiravam-se as boroas com a pá, era a vez de aproveitar o calor do bojo do forno refletido do lastro e das aduelas para cozer(assar) umas batatas do tamanho de uma noz que ficavam uma delícia, as verdadeiras batatas a murro! Regadas com azeite da terra e vinagre do casco da pipa, salpicadas com alho, e às vezes com uns fiapos de bacalhau, e como não podia deixar de ser, uma caneca branca com asa de folheta de bom tinto da última colheita, era um ver se te avias!...
O puto cresceu e amadureceu e agora anda a tratar de preservar estas memórias…
Fiquem bem, (antonio)