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Magistério6971

Os autores deste jornal virtual apresentam a todos os visitantes os seus mais cordiais cumprimentos. Será bem-vindo quem vier por bem.

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Pela ruralidade

O Sr. Bateira lavrador e proprietário de meia idade era um braço de ferro e desde sempre os trabalhos agrícolas não tinham para ele segredo. Tinha ido para o Brasil onde não fez fortuna mas ganhou uns trocados e comprou umas terras quando regressou de lá no Vapor. Tinha caseiros para o amanho das propriedades, na condição do chão ser a meias e o ar de terço, (entenda-se “chão” por terra lavradia; “ar” era o rendimento de árvores que estavam nas bordaduras dos campos: videiras, oliveiras e outras árvores de fruto tais como macieiras, pereiras, cerejeiras etc.). Era um homem de cerne que não tinha palha na cama. Mal o galo dava os primeiros acordes, zás, fora da enxerga, mesmo em dias de codo. Era um monteiro de todos os costados.
Tinha combinado com o seu caseiro Gaspar, no dia anterior, fazer uma roçada para o monte do Grou nos contrafortes da serra do Montemuro.  Mal o relógio do campanário bateu as três da matina, hei-los a caminho da tapada, ao luar, que ainda ficava distante. Enxadas roçadoiras às costas, socos ferrados a tachotes com chapa protectora na biqueira, calças de cotim coçadas, as de Gaspar com testeiras, palhoças e polainas de junco, um taleigo remendado onde levavam o almeiro basicamente constituído por broa e dois ossos de porco com carne (mais osso do que carne) e uma pitada de cachaça brava que até fazia saltar as órbitas! Pelo sim, pelo não, o Sr. Bateira, homem experiente, tinha olhado para o céu e notado uma pequena nuvem cinzenta que podia descambar em chuva e então fez-se acompanhar do guarda-chuva de 12 varas que o guarda-soleiro tinha consertado na semana passada quando passou lá pela aldeia no giro mensal.
O mato arnal, outro gatanho, algumas giestas e codessos também, tudo roçado com a força braçal e conjugada na mestria de dois profissionais que tinham o serviço devidamente sincronizado. A mulher do caseiro e o filho tinham aposto o gado (a Cabana e a Ramalha também madrugaram) e chegaram ali, conforme o combinado, com o “carro das vacas” ao amanhecer! Mato cortado e devidamente acamado em paveias, eram dois a carregar com os forcados, e o moço de chancas para melhor pisar o mato, em cima do carro com o engaço a colocar a carga bem distribuída no chadeiro entre os estadulhos, enquanto a mulher à frente das vacas devidamente protegidas com os barbilhos para estarem sossegadas. Bem amarrado com a comprida corda que enlaçava nos tornos por baixo das chedas, lá vão até à aldeia, Gaspar à soga, por caminhos travessos e estreitos numa sonora chiadeira que saía das cantadoiras e dos cocões denunciando a carrada. Descarregaram no quinteiro, as vacas foram desapostas e metidas na corte onde tinham um braçado de pendão na manjedoura e alguma ferrã. O pessoal foi merecidamente meter pró papo umas buchas acompanhadas com uma infusa de carrascão que a mulher do Sr. Bateira tinha preparado;. A manhã já ia avançada, e a satisfação de terem ali o mato para a cama do gado e sobretudo para o fabrico do estrume para a terra, fonte de riqueza, estava estampada nas conversas entrecruzadas que saíam em catadupa só interrompidas alternadamente quando a infusa ia às goelas destes naturalistas. Ao lado o podengo também rilhava umas ossadas recozidas que lhe tinham posto num covilhete, pois andava um bocado magricelas, tinha passado a semana na cadelice.  Ele afinal também tinha ido para o monte, era como se fosse mais um da família!...

“Por mares nunca de antes navegados” dizia o Camões nos Lusíadas no primeiro canto.
Esta minha crónica, com um fundo real, pode também dizer-se que aconteceu “por terras antes navegadas (trabalhadas)”, pois tudo isto na nossa geração passou à história num ápice!

Fiquem bem, antonio

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