O facebook de outrora
Tarde soalheira, eis-me de malas aviadas, rumo ao antigo lavadouro da família que, já há longo tempo, pretendia rever.
Convenientemente equipada, galochas de borracha, aptas a fintarem as águas vadias que serpenteavam a passagem ao local, lá me abalei, levando na alma um enorme desejo de reviver recordações da minha meninice.
Chegada lá, uma enorme desilusão me invadiu. A água límpida e cristalina que, em tempos dava de beber ao enorme lavadouro, alimentava um monstruoso silvado, cobrindo toda a sua área, consequência do seu abandono.
Pois, esse espaço outrora acolhedor e bem cuidado, foi palco de inúmeras cenas, de confidências, de desabafos, de alegrias, de tristezas…
No início da semana, as mulheres carregavam a pesada bacia de zinco com o fundo em madeira, a roupa suja da semana, para procederem ao seu branqueamento. Aí era ensaboada com sabão rosa ou azul, esfregada e surrada na áspera pedra de granito. Uma tarefa árdua, contudo minorada pelo ambiente de convívio e conversa. Era o ponto de encontro semanal das mulheres, destinado não só a desencardir os farrapos, mas também a alimentar algumas mentes maldosas que ávidas por mexericos aí enterravam os vivos e desenterravam os mortos.
Ao longo de várias semanas, o desfile dos mais variados temas relacionados com bisbilhotices, verdadeiras bombas, eram ventilados, analisados, especulados, ironizados…
“Então dizem que”:
O ti Manel, já entradote na idade, anda caidinho de amores pela Quititas , moçoila cobiçada pelos seus dotes de beleza: gorda, corada e perna branca. Ora as opiniões não se faziam esperar. “Olha o diacho do velho, com os pés para a cova, pro que lhe deu!
O puxo de cabelo da Lurdes do Aido que dava várias voltas à nuca, sofrera um corte drástico,transformando-a numa senhora sem raízes suficientes para sustentar tal galão.
A viúva Aurora, ainda o esqueleto do defunto marido mal arrefecera, já ela aliviava os cinco anos de luto fechado.
A chegada do Brasil do espertalhão António do Fundego, com as garras bem afiadas para atacar a Milita da Bouça, órfã, indefesa, mas que lhe fugia a sete pés, com o medo aterrador de ficar difamada, tal como a sua tia Maria que, em tempos,consequência das más línguas, tivera de se submeter a uma examina médica, para ser comprovada a veracidade da sua difamação.
Os mais variados assuntos eram abordados e postos à consideração do público, neste facebook ao ar livre, verdadeiros pasquins das aldeias.
Simultâneamente as lavadeiras com os nervos em franja, aproveitavam a irascibilidade que alguns temas provocavam para surrarem energicamente os sebentos trapos que nada tinham a ver com as bombas detonadas.
Com as saudações serranas
Benilde