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Magistério6971

Os autores deste jornal virtual apresentam a todos os visitantes os seus mais cordiais cumprimentos. Será bem-vindo quem vier por bem.

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Pela ruralidade - LXVI (Ida à cidade)

Estávamos nos anos sessenta, Portugal estava já a contas com uma guerra dita colonial por uns, que muitas cicatrizes deixou. A azáfama de um país eminentemente agrícola fazia deste jardim à beira – mar plantado, um oásis verdejante onde todas as campinas, campos ou courelas eram minuciosamente granjeadas – a riqueza estava na terra.

Em antítese a miragem da cidade onde os néons faziam o deslumbramento dos campónios que se enchiam de nove horas perante os seus pares da labuta dos campos. O casal de meia-idade, mais a pender para a terceira, Sr. José e a patroa, tinham preparado a ida à cidade. De véspera deixaram o penso apanhado para as vacas e a lavagem para o cevado que estava numa de engorda, dentro de dias ia à faca. Como era hábito pediram ao vizinho a quem tinham ajudado na sacha do milho do restivo, que fosse lá a casa deitar a mão ao gado, a ramalha uma vaca esquadrilhada e marralheira, tinha ido ao boi no dia anterior pois dava sinais de irrequietude e a cabana que era mais pró marroaz.

Logo pela madrugada, já o galo, um vistoso galador de primeira que cumpria cabalmente as suas obrigações, tinha cantado em disputa com o afeminado garnizé que não dava uma p´ra caixa, a patroa foi ao galinheiro deixar uma abada de milho e farelo à pitarada. As poedeiras estavam em forma, tinham uma postura muito regular e então havia que lhe não cortar o ritmo.

Às sete chega a carreira do Escamarão que já vinha com meia lotação, os nossos heróis entraram ficando a patroa do lado da janela que era de guilhotina, às tantas como não estava habituada àquelas andanças, nas primeiras curvas começou a arrancar. A seu lado o Sr. José impávido e sereno, já não era a primeira vez que viajava, tinha estado na tropa no Regimento de Metralhadoras 3 na Rua de D. Manuel II. Com aparência de calmeirão era possante, lá na terra todos lhe tinham cá um respeitinho!... Na hora dos sarilhos desancava fueiradas  em quem o afrontasse. Dizia-se que varria uma feira em dois tempos com o pau de marmeleiro que sempre o acompanhava quando ia às feiras, romarias ou até quando ia pagar a décima à Fazenda na vila de Cinfães. A meio da viagem saca do bolso interior do casaco uma garrafinha de meio quartilho de cachaça e manda aos beiços umas goladas valentes, de seguida passa à mulher, uma rija magricelas de pêlo na venta que ia um bocado enjoada mas não se fez rogada e também ela foi um ver se te avias, mandou abaixo uma tarraçada. Bochechou a boca com a primeira golada para a limpar do enjoo e mandou-a pela janela fora.

Chegados à cidade tinham à espera um filho que era lixeiro na CMP, trabalhava de noite, era conhecido entre os seus pares por “gamador”, pois muitas velharias de que a burguesia se desfazia (ainda a sociedade de consumo não tinha chegado) ele abafava. Tinha lá em casa um arsenal de trastes. O garoto de 5 litros de tinto carrascão que o Sr. José levava passou para as mãos do herdeiro. Após darem umas voltas pelo bulício da cidade sentiam uma estranheza perturbante pelo facto de ninguém cumprimentar ninguém, são como os carneiros, resmungavam. Ao meio dia ao ouvirem o silvo das fábricas foram os três almoçar à Adega Sardão na Rua Duque de Loulé, umas batatas com iscas de bacalhau com acompanhamento de uma caneca branca, asa de folheta, pintalgada a esbordar de vinho tinto de Amarante. No fim uma sopa (caldo como diziam) de couve galega e feijão de farta abade. Da parte de tarde foram ver, traziam essa na manga, o “Chico” e o  “Sofala” ao Palácio de Cristal. O primeiro era um sorvedor de amendoins que a vendedeira ambulante ali perto posicionada para vender aos amigos do bicho e o Sofala com os seus potentes rugidos fazia abanar os sinos do torreão da serra do Pilar.

E assim passaram o primeiro dia na cidade, o Sr. José e a sua Maria.

 

 PS:Já não estão cá os principais protagonistas da história, bem como o “Chico” e o “Sofala” um chimpanzé e um leão que faziam as delícias da pequenada e até dos mais maduros. A Adega Sardão já há muito que desapareceu, e a Rua Duque de Loulé resiste num estado confrangedor. O Regimento de metralhadoras 3 (onde o meu pai fez tropa) também já não existe, nessas instalações estão serviços do Hosp. Santo António. As carreiras do Escamarão também já desapareceram do mapa.

 

 

   Fiquem bem, antonio